sábado, 7 de agosto de 2010

Água, da riqueza à devastação


Há pouco ouvi um especialista repetir que se toda a água da Terra fosse posta em um balde, a potável encheria uma colherzinha de café. Pois é. Como aprendemos na escola, a água cobre 71% da superfície da Terra, mas a percentagem de água doce é de apenas 3%, dos quais 2/3 são concentrados nos polos sob forma de gelo e do terço que sobra, 98% são aquíferos subterrâneos e só 2% são em forma de rios e lagos. Destes 2%, estima-se que 12% se encontram em território nacional.
O que dá ao Brasil e aos brasileiros uma grande vantagem e uma enorme responsabildiade.
Como também se aprende na escola, temos duas grandes reservas; a bacia do Amazonas, rio que compartilhamos com o Peru e que, sozinho, é responsável por 18% da água vertida nos oceanos, e o Aquífero do Guarani. Este é o maior manancial de água doce do mundo – ocupa uma área de 1,2 milhões km², dos quais 840 mil estão no Brasil – 2/3 (em Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), 250 mil na Argentina, e no Paraguai e Uruguai, 58.500 cada.
Talvez devido à fartura, o nosso sub-continente sul-americano tenha vivido em paz relativa na partilha dos recursos hídricos. O que não é o caso na história do mundo em que a geopolítica da água tem gerado guerras desde a antiguidade, embora a única que seja historicamente declarada tenha acontecido há 4.450 anos, na antiga Mesopotâmia (sul do Iraque) em que as cidades de Lagash e Umma se confrontaram para obter o controle dos canais de irrigação alimentados pelo rio Tigre.
Desde então, conflitos hídricos se seguiram, mas menos explícitos e em alguns casos dissimulados em controle territorial ou usados como arma e instrumento de chantagem. Como por exemplo, em 596 AC, o rei da Babilônia, Nabucodonosor, após 13 anos de sítio infrutífero da cidade de Tyr, no sul do Líbano, destruiu uma parte do aqueduto que a abastecia para conquistá-la.
Em 1503, durante a luta de Florência contra Pisa, Leonardo da Vinci e Maquiável pensaram em desviar o curso do rio Arno para tirar de Pisa o acesso ao mar. Mas só ficou em palavras.
Em 1938, Tchang Kai-Chek mandou destruir diques do rio Amarelo na China para conter o avanço das tropas japonesas, e até o fim da Segunda Guerra bombardeou vários açudes com o mesmo objetivo.
Em 1948 e em anos seguintes, Israel protagonizou conflitos que lhe valeram, entre outros, o Golan e o controle do rio Jordão, do qual privou a Cisjordânia em toda a sua extensão.
Em 1960, no Vietnam, os Estados Unidos destruíram sistematicamente os diques do país, causando, segundo os norte-vietnamitas, a morte de 2 a 3 milhões de pessoas por afogamento ou fome.
Entre 1980 e 1988 o Iraque e o Irã guerrearam pela posse do Chatt-el-Arab, o estuário do Tigre e do Eufrates.
Em 1991, no processo de invasão, Saddam Hussein destruiu a maioria das usinas de dessalinização do Kuwait.
Em 1999, durante a guerra, os sérvios fecharam o sistema de distribuição de água da capital do Kosovo, Pristina, e contaminaram várias cisternas. E no mesmo ano, uma bomba destruiu a principal rede de água no lago Lusaka, no Zâmbia, privando 3 milhões de pessoas de água.
Em 2003, durante a invasão do Iraque, os Estados Unidos bombardearam ininterruptamente as instalações de saneamento e de abastecimento em água de Bagdá (com consequências ainda nefastas à população da Zona Vermelha da cidade, reservada aos iraquianos).
A lista exaustiva de litígios hídricos é longa e variada, embora no cômputo bélico propriamente dito, só (!) se tenha combatido pela água 37 vezes. Israel protagonizou 27 destes conflitos.
Deixemos o Oriente Médio para mais tarde. O enfoque de hoje são dois outros problemas que estão prestes a provocar catástrofes em duas regiões opostas do planeta: da opulenta à miserável.
Na mais rica, trata-se de um choque eventual entre os Estados Unidos e o Canadá por causa dos Grandes Lagos que os dividem e separam cada vez mais.
Após a Bacia do Guarani, os lagos que os dois compartilham – o Superior ( o maior do mundo), o Michigan, o Huron, o Erie e o Ontário – representam 20% da água doce do planeta e são alvo de cobiça crescente dos EUA. Como Ottawa não consegue fazer Washington assinar e respeitar um contrato que regulamente o usufruto da Bacia, os canadenses temem que a exploração excessiva e intensiva de suas águas pelos americanos venha a expropriá-los de seus recursos hídricos e ao mesmo tempo provocar uma catástrofe ecológica irremediável.
Estima-se que no ritmo em que a água vem sendo extraída, dentro de 25 a 30 anos este aquífero esteja esgotado. E o que apavora os vizinhos é que os EUA, em vez de remediar para tentar preservar os recursos dos lagos, já está pensando em como desviar água do golfo do Mississipi através de rios e riachos em um projeto oneroso e complicado que preocupa ainda mais as ONGs ecológicas. Estas não param de denunciar esta extração abusiva de água e se o problema não for discutido e resolvido em tempo hábil, a insatisfação canadense pode degenerar em uma confrontação séria entre os dois vizinhos “civilizados” que têm todos os meios financeiros e científicos que precisarem para evitar um desastre.
Enquanto isto, no Paquistão as inundações estão tirando do mapa dezenas de cidadezinhas e deixando atrás de si água contaminada e todas as doenças inerentes à insalubridade; e no Bangladesh, um dos Estados mais pobres e mais expostos ao aquecimento planetário, estima-se que os 140 milhões de habitantes que se apertavam em 143.998 km² tenham perdido nos últimos anos 10% deste território exíguo. Não por litígio fronteiriço, mas por causa do aquecimento global que provocou nos últimos anos uma elevação de 45cm do nível do mar. Ao contrário do desprevenido Paquistão, inundação no Bangladesh é normal. 9,6% de sua superfície é coberta de centenas de riachos e de três grandes rios: o Gange, o Meghna e o Brahmaputre. O país recebe 90% de água proveniente do Tibete, do Butão, da Índia e do Nepal. É uma enxurrada de chuvas que inunda sistematicamente pelo menos um terço do território.
Embora os habitantes tenham aprendido a conviver com os caprichos da natureza, as mudanças climáticas dificultam bastante o esquema há anos ensaiado. O aumento do período de chuvas somado ao derretimento dos glaciais do Himalaia e à elevação do mar, têm tornado a evacuação da água cada vez mais difícil e improvável. E a tendência é piorar. O que se vê hoje no Bangladesh é uma população majoritariamente rural em ruptura com a natureza caprichosa que a obriga a migrar em massa para regiões supostamente calmas.
Até o século passado havia no mundo dois tipos de refugiados: econômicos e políticos. Os problemas de água no Bangladesh inauguraram um terceiro que tende a se banalizar como os demais: os refugiados climáticos. A água invade o país quase todo, se transforma em lama, há escassez de água potável e busca-se refúgio em Dacca, a capital, que não suporta o afluxo e que também corre risco de inundações de grande amplitude, como a de 2004.
E em meio a esta catástrofe climática, aparece uma ameaça política grave para o governo democrático: a miséria e as más perspectivas estão transformando o país em um canteiro de ideias extremistas. Dizem os homens que em vários madraçais (escolas) religiosos já se vê foto de Ben Laden. http://dai.ly/9lqr3z



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