domingo, 9 de junho de 2013

Israel vs Palestina: História de um conflito XXXV (09-2003)


Em setembro de 2003, a violência visível começou no dia 05.
Nablus recebeu a visita da IDF e do Shin Bet (segurança "interna" israelense) na continuidade da operação de assassinatos e voltou a tremer nas bases.
Dessa vez a vítima foi um dos comandantes militares do Hamas na Cisjordânia.
No dia 06 Abu Mazem (alcunha local de Mahmoud Abbas) chutou o balde.
Invocando obstáculos israelenses, estadunidenses e domésticos, o Primeiro Ministro renunciou ao cargo que ocupava há menos de cinco meses.
Se Abu Mazem fosse menos comedido, teria dito que estava deixando o cargo por três razões interligadas.
A primeira era que George W. Bush não lhe dera o apoio esperado. Negara-lhe oportunidade de mostrar a que viera e não se impressionara nem se sensibilizara com seu sentido moral e sua abordagem racional das negociações com Israel.
Ou seja, Abu Mazem caiu na real. Entendeu que o problema não era Abu Ammar (Yasser Arafat). Que o presidente da Autoridade Palestina era apenas parte de um todo do qual os EUA desconfiavam e rejeitavam para melhor servir os interesses imediatos do governo israelense.
A segunda razão para seu desligamento de Abu Ammar era que subestimara o desinteresse de Ariel Sharon de viver em paz.
Durante os quatro meses do governo Abbas, Ariel Sharon não manifestara a menor vontade de paz. Nenhuma vontade de aplicar o "Road Map". E agiu com ele com o mesmo ânimo traiçoeiro dedicado a Yasser Arafat.
A terceira razão era que suas relações com o companheiro da OLP Yasser Arafat começaram estremecidas e se deterioram ao ponto da convivência ficar impossível. Devido a várias picuinhas e a duas razões intransponíveis.

A primeira razão era de Abu Mazem.
Desde o início o Primeiro Ministro relutou a aceitar a onipotência do Conselheiro Nacional de Segurança. Criado pelo Presidente para cuidar da Inteligência e garantir sua própria segurança.
Sua própria segurança porque Yasser Arafat vivia em sobressalto. Sabia que sua vida estava sempre por um fio. Sabia da quantidade de espiões com os quais o Shin Bet (serviço israelense de espionagem interna) contava e que não podia confiar em muita gente.
Além do perigo que corria apenas por ser quem era e continuar vivo, fora alertado de um complô para assassiná-lo - envolvendo próximos. Por isto confiara a chefia do Conselho a Abu Rami - Jibril Rajoub (atualmente membro do Comitê Executivo do Fatah e presidente da Confederação Palestina de Futebol e do Comitê Olímpico), em quem ainda confiava.

A segunda razão para o afastamento dos dois camaradas era de Abu Ammar (alcunha de Arafat).
O Presidente da Autoridade Palestina não engolira nem um dia a nomeação de Abu Fadi - Mohammed Dahlan para o Ministério da Defesa.
Yasser Arafat cedera quase forçado, mas não se conformava. Deixara de confiar em Dahlan e era um martírio constante saber que ocupava um cargo tão importante em seu governo.
Sentia-se vulnerável com a proximidade do ex-manda-chuva de Gaza?
Há poucos meses Abu Fadi ainda gozava de suas graças. Durante anos, ele e Abu Rami tinham sido os chefes da Preventive Security Forces - PSF estabelecida em 1994 conforme os Acordos de Oslo.
Jibril Rajub na Cisjordânia. Mohammed Dahlan na Faixa de Gaza.
Dois perfis e tragetórias distintas, mas com o mesmo objetivo de serem os olhos, ouvidos e espada do Presidente em todo o território palestino.  
Até o dia em que um deles teria pulado a cerca de arama farpado e resolvido jogar duplo.

Jibril Rajoub nasceu em um família influente de Dura, pertinho de Hebron, em 1953.
É da velha guarda do Fatah.
O Shin Bet o prendeu pela primeira vez em 1968, por razões meio vagas.
Ele tinha 15 anos e passou quatro meses no cárcere. Foi quando conheceu um chefe local do Fatah que o recomendou ao partido então clandestino, mas já bastante popular.
Ao ser solto entrou no Fatah com a função de dar assistência aos combatentes.
Voltou a ser preso ao 23 anos. Desta vez por jogar uma granada em comboio militar da IDF na Cisjordânia. Este ato de resistência valeu-lhe uma condenação à prisão perpétua.
Destacou-se muito nos presídios.
(PresídioS porque os prisioneiros políticos palestinos são mudados de prisão constantemente. Por várias razões: punição, desestablização, dificultar aos advogados e familitares a localização, etc. - um dia abordarei este tema com vagar).
Jibril liderou greves de fome e movimentos de protesto. Aprendeu hebraico (que fala e escreve tão bem quanto o inglês). Chegou a traduzir para o árabe, junto com um companheiro de cela, o livro de Menachen Begin "A Revolta", a fim de tentar entender o que motivava seus opressores.
Deve ter passado por todos os presídios de Israel até ser solto em 1985 - foi um dos 1150 presos políticos a serem trocados por três reféns israelenses da PFLP (Popular Front for the Liberation of Palestine).
O Shin Bet voltou a prendê-lo em dezembro de 1987 para distanciá-lo da Intifada. A primeira.
Foi deportado para  o Líbano em janeiro de 1988 e de lá foi para a Tunísia, onde a liderança da OLP se encontrava.
Como fora um dos protagonistas da Revolta que ficaria conhecida com o nome árabe Intifada, em Tunis, virou conselheiro de Khalil al-Wazir na estratégia de apoio externo da OLP ao movimento popular nos territórios palestinos ocupados.
Depois do Mossad assassinar Khalil al-Wazir (alcunha, Abu Jihad), Jibril foi "adotado" pelo líder da OLP, Yasser Arafat.
Dizem os israelenses que Abu Rami foi a eminência parda de um suposto complô para assassinar Ariel Sharon em 1992. Mas nunca voltou a ser preso.
Só pôde voltar para casa em 1994. Na leva dos Acordos de Oslo, e logo na chegada foi encarregado da chefia da recém-criada Preventive Security Forces. Abu Ammar queria junto de si alguém em quem pudesse confiar de olhos fechados e Jibril era a pessoa adequada.
Durante este período reforçou seus laços com o chefe do Tanzim Marwan Barghouti, com quem estivera preso em Beer Sheva.  E quando começou seu trabalho na Segurança, Jibril consegiu recuperar dezenas de informantes que haviam sido recrutados pelo Shin Bet.
Sua vontade de aplicar a justiça, controlar os extremos, adicionados à lealdade a Arafat, o levaram ao uso de violência contra os próprios compatriotas para punir espiões locais e dominar adversários políticos. E como seu líder e amigo, era contrário à "religiolização" do Hamas no movimento de Resistência.
Apesar dos super-poderes, Jibril se recusava a substituir-se aos políticos e sempre que podia dizia que "Enquanto Israel não respeitar os Acordos, não haverá cooperação na érea de sugurança."
O que não o impedia de entender-se bem com Aman Shahak, chefe do Estado Major israelense. Jogavam-se dardos verbais em público de vez em quando, mas um telefonema bastava para fazerem as pazes.
Abu Rami - Jibril Rajoub foi um dos (poucos) líderes do Fatah  com quem Abu Ammar - Yasser Arafat pôde contar, com curtos períodos de desavença, de Tunis até a morte do líder palestino em Ramallah.
Daí a insistência do Presidente da AP em conservá-lo nas rédeas de sua segurança e da Segurança Nacional.
Ao contrário de Abu Fadi - Mohammed Dahlan que virou quase persona non grata.

Antes de continuar em 2003 e o porquê da ogeriza de Arafat por seu ex-chefe de polícia Dahlan na Faixa de Gaza, tenho de fazer uma digressão rápida para falar em Khalil Ibrahim al-Wazir.
Se não me engano, abordei os anos 70 e 80 sem dar-lhe o destaque que tem na história palestina. Tenho de corrigir este lapso.
Khalil al-Wazir (ao fundo, na foto com Arafat e Nasser em 1970) foi um dos poucos que ficaram para a história com a alcunha local - Abu Jihad.
Uns dizem que Israel se referia a Khalil a-Wazir pela alcunha para demonizá-lo.
Mas quem estava acostumado com a "contra-informação" israelense se perguntava até que ponto este "nome de guerra" não era destinado a influenciar a mídia ocidental e criar um preconceito contra este costume tradicional no Oriente Médio.
(Culturalmente, no nascimento do primogênito o pai passa a ser chamado de Abu (pai) seguido do nome do filho. Com raríssimas exceções. Uma delas é Yasser Arafat, que só teve uma filha bem mais tarde e que foi apelidado desde cedo de Abu Ammar por  Ammar significar "próspera longa vida" em árabe. Era o que seus companheiros e compatriotas lhe desejavam.)
Para os palestinos Yasser Arafat é Abu Ammar. Mas a mídia ocidental que convive pouco com as pessoas in loco,  desconhece ou irreleva esta alcunha que localmente era/é sua marca registrada.
São as escolhas de quem é chamado pela alcunha e quem é chamado pelo nome que define o tratamento que Israel/EUA querem que a mídia dê às personagens.
Nessa lógica, é compreensível que muitos palestinos pensem que o nome Abu Jihad tenha sido usado de propósito internacionalmente para estigmatisar Khalil logo de cara e junto com ele, estigmatisar a alcunha Abu como um prefixo radical. Que não é. É cultural e bastante banal.
Bom, voltando a Khalil al-Wazir, nasceu em Ramla em 1935, durante o Mandato Britânico na Palestina.
Seu pai era merceeiro na cidade natal da família.
Dizem os sobreviventes que Ramla, na época, era uma cidade palestina típica. Bonita e tranquila.
Foi fundada entre 705-715 pelo califa Suleiman al-Malik, após a conquista do Império Otomano. Rebatizada pelos romanos Via Maris - na Era do Bronze era chamada de Caminho dos Filistinos. Esta via ligava Damasco ao Cairo bifurcada em duas estradas.
Uma seguia pelo litoral do Mar Mediterrâneo passando pelo que é hoje a Faixa de Gaza e a outra foi traçada ao longo da margem oriental do Jordão, na atual Jordânia.
Na Naqba os palestinos foram expulsos de Ramla e a família de Khalil, junto com mais 70 mil, de lá e de Lydia, foram para um campo de refugiados na Faixa de Gaza.
Khalil tinha 13 anos e continuou a estudar na escola que o UNRWA (Serviço da ONU que cuida de refugiados) criara em Bureij para os exilados.
Sua revolta era grande e no Segunda Grau organizou um grupo de fedayeen (combatentes para a liberdade) em sua classe. Depois da aula iam jogar pedras nos soldados da IDF que vigiavam o campo em que ele fora concentrado com a família e centenas de milhares. Não se conformava com as cercas que lhe tiravam a liberdade e comprimiam a Faixa.
Em 1954 ficou conhecendo Yasser Arafat em Gaza, mas só seria seu braço direito-armado mais tarde. Antes disso estudou arquitetura na Universidade de Alexandria - não se formou porque foi preso em 1957 por continuar a militância de fedayeen na fronteira do Egito com Israel.
Então em vez de virar arquiteto foi deportado para a Arábia Saudita, onde conseguiu emprego de professor primário. A mesma profissão que exerceu no Kuwait em 1959.
Foi no kuwait que reencontrou outro exilado, Yasser Arafat, com quem fundou o Fatah com outros camaradas.
Foi para Beirute encarregado da revista mensal Fatah Filastinuna, Nida'al-Hayat (Nossa Palestina, a Chamada para a Vida). Pois era considerado o único deles com "faro para a pena".
Foi para a Argélia com Arafat em 1962, a convite do então presidente socialista Ahmed Ben Bella, e abriram um escritório do Fatah na capital. Nas imediações de Alger criaram um campo de treinamento militar.
Diz a lenda que o jovem afoito de 27 anos conquistou a simpatia de Che Guevara de cara - quando o Che foi dar uma palestra em Alger e encontrou os líderes do Fatah.
Com a bênção do Che, com sua formação de guerrilheiro e com a confiança de Abu Ammar - Yasser Arafat, Khalil al-Wazir virou Abu Jihad.
Não por ser um nome de guerra, mas porque casara-se em 1962 e seu primeiro filho foi chamado de Jihad (que aliás é o atual presidente do Palestinian Monetary Authority). Os dois outros filhos seriam chamados de Bassem e Nidal, e as filhas, Iman e Hanan.
Khlail al-Wazir foi encarregado de recrutar e treinar combatentes exilados. Em suma, de estabelecer a ala armada do Fatah, então chamada Al-Assifa - A Tempestade.
Foi então que Abu Jihad recrutou seu ex-colega do Ensino primário Walid al-Nasser, vulgo Abu Ali Lyad, outra figura lendária que viraria um dos maiores comandantes do Fatah na Síria e na Jordânia, onde seria assassinado.
Em 1965 a liderança do Fatah instalou-se em Damasco a fim de aproximar-se da já grande Palestine Liberation Army (PLA).
Após a Guerra dos Seis Dias, as facções palestinas que haviam apoiado a Síria caíram mais ou menos em desgraça junto aos compatriotas - que perderam o pouco da liberdade que ainda lhe restara - e o Fatah caiu nas boas graças.
O Fatah transformou-se então na Organização dominante e a posição de Abu Jihad foi reforçada, assim como a liderança absoluta de Abu Ammar.
Foi encarregado então de todas as operações de guerrilha de ambos os lados da Linha Verde.
Durante o Setembro Negro na Jordânia, foi al-Wazir que cuidou do aprovisionamento em Jerash e Ajlun,  de armas, alimento e remédio.
Depois da derrota, foi também ele que negociou a ida dos líderes da OLP para Beirute.
Lá, Khalil al-Wazir continuou comandando as operações militares de represália do Fatah em Israel. E quando a IDF invadiu o Líbano, no que foi chamado Guerra do Líbano, ele organizou os grupos que participaram da resistência. Lutaram até o horror de Sabra e Shatila.
Depois foi o novo exílio forçado para a Tunísia.
Foi aí que Abu Jihad concentrou-se na edificação de uma base sólida do Fatah nos territórios palestinos.
E desta organização surgiu a (primeira) Intifada, o exílio forçado de Jibril Rajoub, o encontro entre os dois homens.
A convivência de Abu Rami e Abu Jihad seria curta.
Khalil al-Wazir foi baleado a queima roupa em Tunis no dia 16 de abril de 1988, às 14 horas.
Ele tinha 52 anos.
Foi morto dentro de casa. Estava com a esposa e os filhos quando os agentes do Mossad o executaram.
(Falando nisso, o filme Munique de Steven Spielberg pinta uma imagem irreal dos agentes do Mossad. Uma cena mostra um agente hesitando em executar um palestino por causa da proximidade da filha da vítima - ficção partidária distante da fria realidade.)
Em 1997 o jornal israelense Maariv publicou que a Operação de assassinato de Khalil al-Wazir foi chefiada por Ehud Barak - nem o governo de Israel nem Barak jamais assumiram publicamente a responsabilidade da execução. Entretanto, segundo o Washington Post, no dia 21 o comitê de defesa israelense aprovou o assassinato.
Khalil al-Wazir era querido e influente demais para seu assassinato passar desapercebido na Palestina e na Tunísia. Na época, até os Estados Unidos foram obrigados a condenar  um "act of political assassination". E o conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou em seguida a Resolução 611 condenando "the agression perpetrated aginst the sovereignty and terriorial integrity of Tunisia".
Contudo, nem os EUA nem a ONU pronunciaram o nome de Israel em nenhum dos comunicados.
Só se manifestaram para acalmar o presidente da Tunísia.

Parêntese de Abu Jihad fechado, voltemos a Au Fadi, ou seja, Mohammed Dahlan, e porquê caiu em desgraça.
Dahlan nasceu em 1961 em Khan Yunis, um campo de refugiados na Faixa de Gaza.
Sua família era originária de Hamama, uma cidadezinha palestina "despopulada" durante a Naqba.
Ele era o caçula de seis irmãos e começou o ativismo político na adolescência.
Aos 20 anos participou da criação de uma ala jovem do Fatah em Gaza. E por isto, de 1981 e 1986 os israelenses o prenderam 11 vezes.
Como Jibril Rejoub, ele aproveitou o período de prisão para aprender hebraico, que fala e escreve fluentemente, como Jibril.
Ao sair da prisão terminou os estudos e formou-se em Administração na Universidade Islâmica de Gaza.
Quando Yasser Arafat criou a Preventive Secutiry Force, a escolha de Abu Fadi para dirigi-la na Faixa de Gaza pareceu óbvia.
Ele contratou 20 mil homens e em pouco tempo virou um dos homens mais poderosos da Palestina. Seu cargo e sua função o levavam a encontrar regularmente agentes de Inteligência do Mossad e do Shin Bet.
O que era normal, pois Israel se recusava a tratar com Yasser Arafat e só "dialogava" com Jibril Rajoub e Mohammed Dahlan, por intermédio dos agentes de Iinteligência.
(Mas o comportamento dos dois homens não era o mesmo. Jibril mantinha as relações em bons termos, mas mantinha certa distância. Por exemplo, uma vez, no meio de uma entrevista coletiva, ele se disse magoado com o comportamento de moleque de um de seus "honrados interlocutores israelenses" que uma semana antes o chamara de "bandido de terno" e dizia o inverso nas reuniões privadas. Sem dizer o nome, deixou claro que se referia a Amos Gilad que dirigia o departamento de "pesquisa" da Aman - Serviços de informação da IDF. Acostumado a viver na sombra, Gilad ficou apalermado com a súbita publicidade. Foi até engraçado. Os dois homens se conheciam desde Tunis, antes do retorno de Yasser Arafat e tinham relações bastante cordiais. "Ele foi me encontrar em Tunis. Eu o recebi como um rei. Abri-lhe todas as portas. Foi o primeiro israelense a subir no avião do Presidente", desabafou a época Jibril, ultrajado.)
As relações de Dahlan com seus adversários estrangeiros era e permaneceu cordial o tempo inteiro. Israelenses e estadunidenses o elogiavam constantemente. Na foto ao lado, está com Shaul Mofaz, Ministro de Defesa israelense.
O Hamas era incansável nas acusações de tortura contra seus militantes que Dahlan detinha, mas ele negava, apesar de ONGs de Direitos Humanos confirmarem.
Seu poder em Gaza era tamanho que a Faixa na época foi apelidada de "Dahlanistão". Ele controlava tudo. Como Yasser Arafat estava intertilitentemente semi-prisioneiro na Muqata'a, em Ramallah e na Cisjordânia, Dahlan vestiu sua casaca e se locomovia como se gozasse da autoridade presidencial.
Mas até então só fizera inimigos no Hamas.
Sua reputação no Fatah sofreu um baque em 1997 quando veio à tona que desviara 40% dos impostos da barragem de Karni para a sua conta pessoal.
Levou um sabão de Arafat, fez seu mea culpa e continuou no cargo.
Em 2001 ele começou a cutucar Arafat, a reclamar da "falta de coerência política" do líder e a reclamar reformas.
Ele surpreendeu o Fatah e alguns questionaram se o poder lhe subira à cabeça ou se era algo mais grave.
Em 2002, esperando ser nomeado para Ministro da Defesa, pediu demissão do cargo que ocupava em Gaza e ficou frustrado quando seu nome não foi nem cogitado.
Quando Arafat lhe ofereceu um cargo de conselheiro de segurança ele recusou chateado.
Mas obteve o cargo desejado ao Mahmoud Abbas assumir o governo. Contra a vontade de Arafat, que já ouvira boatos de uma colaboração próxima demais de Dahlan com os agentes do Shin Bet e da CIA, foi nomeado Ministro da Defesa.
Portanto, quando Abbas caiu era natural que Dahlan caisse com ele.
Sobretudo porque já se suspeitava que ele colaborasse com Israel há algum tempo.

Voltando à sucessão de Abu Mazem, Abu Ammar já tinha o nome do substituto na ponta da lingua: Abu Ala.
Ahmed Qorei, como o novo primeiro ministro era conhecido na mídia ocidental, era antigo no círculo do líder palestino e conhecido de Israel e dos Estados Unidos. Fora figura predominante na negociação dos Acordos de Oslo cujos mínimos detalhes estavam gravados em sua memória.
Abu Ala era do Fatah como Abu Mazem.
Suas origens familiares eram diferentes, mas seus percursos foram similitares.
Ahmed Qorei nasceu em Abu Dis, Jerusalém, em 1937, em uma família abastada. Na Naqba a família foi despojada como as demais, mas continuou com meios.
Aderiu à ala do Fatah na OLP (Organização de Libertação da Palestina) em 1960, mas só destacou-se na Organização em meados da década de 70, quando, no exílio, foi encarregado de administrar a Economia e as empresas palestinas no Líbano.
Sua eficiência foi tamanha que os negócios renderam à OLP anualmente US$40 milhões, e aos palestinos, 6.500 empregos. A OLP era considerada na época um dos maiores empregadores do Líbano.
Quando a OLP foi expulsa do Líbano, na época dos massacres de Sabra e Shatila, Abu Ala acompanhou Yasser Arafat ao exílio na Tunísia. Com os assassinatos dos líderes mais elevados na hierarquia próxima de Arafat, ele foi ascendendo até encontrar-se no círculo próximo do líder.
Em 1989 foi eleito para o Comitê Central do Fatah e começou realmente sua carreira política. Até então era um administrador bem-sucedido.
Abu Ala representou um papel chave nas negociações secretas e depois públicas que levaram aos Acordos de Oslo e depois continuou representando a OLP nas negociações seguintes.
Dennis Ross, ex-emissário dos EUA no Oriente Médio, o definia como "someone who deeply believes in peace with Israel, who is against violence".
Portanto, em setembro de 2003 parecia o compromisso perfeito. Em termos de negociador, Arafat não podia ter feito melhor escolha.
Abu Ala é carismático, charmoso, tolerante, bem humorado, enfim, tinha todas as qualidades para liderar um projeto de conciliação e operações diplomáticas.
Em 1993 ele apresentara um plano de estratégia de desenvolvimento da Palestina que acabou sendo mal aplicado e parte dele engavetada.
Além deste, fora o arquiteto da Palestinian Economic Council for Development and Reconstruction (PECDAR) - para canalizar o capital internacional na Palestina.
Portanto, quando assumiu o governo da Autoridade Palestina não era nenhum noviço e entendia bem de Economia e Diplomacia.
Ele estaria no controle do governo até as eleições, mas na sombra de Yasser Arafat.
Na sombra, sim. Abu Ammar continuava com as rédeas.
A influência de Abu Ala se restringia à estrutura dos Acordos de Oslo na Autoridade Palestina. Mas como as sucessivas incursões israelenses na Cisjordânia e na Faixa de Gaza destruira cômodo por cômodo o edifício dos Acordos, sua margem de manobra política-doméstica era limitada e dependente do apoio de Abu Ammar.
Por outro lado, Arafat precisava de Qorei para acalmar os Estados Unidos e Israel sem engolir sapo.
Qorei sabia disso e não queria decepcionar o amigo. E para fazer ao que vinha, não podia governar com as mãos amarradas. Por isto estabeleceu duas condições sine qua non para aceitar o cargo.
As condições foram impostas às potências ocidentais que, de certa forma, o apadrinhavam.
Disse que aceitaria a chefia do governo palestino só se os Estados Unidos e a Europa lhe garantissem apoio político e se Israel prometesse que a IDF diminuiria a pressão sobre seus compatriotas.
SIM, responderam os interpelados.
Sim que traduzido para a cultura brasileira significava mais "Vamos ver" do que "Combinado".
Mas Abu Ala preferiu confiar na palavra.

Enquanto isso, Ami Ayalon, ex-chefe do Shin Bet e Sari Nusseibeh (ao lado assinando com o líder do partido Meretz Yossi Sarid uma Declaração de Paz em dezembro de 2001), reitor da Universidade Al-Quds (de Jerusalém) apresentavam ao Parlamento Europeu um plano para a paz destinado a obter o máximo de firmas de ambos os lados.
O projeto A Voz do Povo fora lançado no ano anterior em Atenas em presença do ex-presidente Bill Clinton e do Ministro das Relações Exteriores grego. Passara desapercebido na mídia, mas na Palestina dera no que falar.   Pois embora reconhecesse "dois Estados para dois povos" nas fronteiras de 1967 como base para qualquer acordo, negava o direito de retorno aos milhões de refugiados.
Em 2001 SAri Nusseibeh já exprimira seu ponto de vista que "It is clear that Israel will not accept the Palestinian demand that four million refugees return to within its borders, after a Palestinian state is established beside it. Therefore, we Palestinians must formulate a solution which takes this refusal into account... However, this does not mean that I oppose the refugees' return, nor that I deny their right to return to their homes and property."
Até 2002 Nusseibeh era próximo do Fatah e fora ativo na Primeira Intifada. (Nos últimos anos tem se distanciado da vontade popular - veremos quando chegarmos ao capítulo do ano 2010 desta história).
A "Voz do Povo" não decolou nem no Hamas nem no Fatah. Em Israel foi ignorada.
No mesmo dia 09, dois bombas-suicidas explodiram em Tel Aviv e Jerusalém levando consigo 13 pessoas.
No dia seguinte os Apaches foram à forra na Faixa de Gaza. O alvo era um dos líderes do Hamas, mas as vítimas foram os civis que estavam em volta.
O dia 11 foi surreal. Acredita-se que foi o primeiro dia do fim da vida de Yasser Arafat.
Merece um capítulo inteiro.


Reservista da IDF, forças israelenses de ocupação, Shovrim Shtika - Breaking the Silence
"We moved to the Ariel area, near Nablus. We were in charge of the entire road that crossed the West Bank from west to east, all the way up to the checkpoint at Tapuach Junction. Our designated mission was to prevent acts of terrorism. Simply handle the population. We would enter villages on a daily basis, at least twice or three times a day, to make our presence felt, and… it was like we were occupying them. Showing we’re there, that the area is ours, not theirs.
How is this done?
A patrol goes in, or two patrols, two hummers secured by a jeep, and raise hell inside the villages. A whole company may be sent in on foot in two lines like a military parade in the streets, provoking riots, provoking children. The commander is bored and wants to show off to his battalion commander, and he does it at the expense of his subordinates. He wants more and more friction, just to grind the population, make their lives more and more miserable, and to discourage them from throwing stones, to not even think about throwing stones at the main road. Not to mention Molotov cocktails and other things. Practically speaking, it worked. The population was so scared that they shut themselves in. They hardly came out. Earlier I recall a lot of cabs with people on their way to work near the main road. Then it hardly existed any more. The whole village shut itself in. This just shows what a company commander is capable of doing.
What level does this reach? What is he able to do?
At first you point your gun at some five-year-old kid, and feel bad afterward, saying it’s not right. Then you get to a point where… you get so nervous and sick of going into a village and getting stones thrown at you. But it’s obvious, you’re inside the village, you’ve just passed the school house, naturally the kids will throw stones at you. Once my driver got out, and without blinking, just grabbed some kid and beat him to a pulp.
And that kid was just sitting in the street and looked like some other kid, or wore another kid’s shirt, or perhaps he was that kid but that's not the point. He beat him to a pulp. Didn’t detain him. Just beat him.
In order to get them out, detain and interrogate them, we’d catch them – my company commander caught a 12-year-old kid there once, and made him get down on his knees in the middle of the street. Yelled like a madman – it looked like some Vietnam War movie – so that the other guys come out or else he’ll do something really bad to them. He’d do something to that kid. I knew it was just a hollow threat, and after all the guy’s an officer, and I don’t think an officer would do anything, but…
Actually shackled him?
He had a plastic shackle. I remember it was raining. We went in, and as usual stones 
were thrown at us. My communications man who runs fast caught this kid who supposedly threw stones, shackled him and took him to the company commander.
Brought him back to this place in front of that pool hall. The vehicles were parked here. He got him down on his knees and yelled as if…
In Arabic?
No, in Hebrew, very loud so that the kids from that club would come out so we could
interrogate them. They didn’t come out on their own.
What did he yell at the kid?
He yelled at him to shut up and the kid cried of course… He also peed in his pants, in 
front of the whole village. He got him on his knees and began to scream in Hebrew, to swear at him: "Those fucking kids from the club should come out already!" "Get those whores out!" "Let him be scared!" "Look what I can do!" "I’ll show this kid." Finally the kids didn’t come out, but we always had in mind that image of the old Arab with 
his keffiya and stick. Regardless if there’s shooting or stones, no matter what, he’s a kid in the middle of the street. Kids and soldiers both would respect him. So this old guy comes along and somehow convinces my company commander to release the kid. And that’s how that episode ended. We got out of there. The next day two Molotov cocktails were thrown at the main road. So we didn’t really do our job. And you wonder what that job really is."
Unidade militar: Armored Corps. Patente: First Sergeant. Nablus 2005.

Reservista da IDF, forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence - 2


Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/



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