domingo, 29 de abril de 2012

Israel vs Palestina em Hebron : Purgatio ethnos


Reservista da IDF Breaking the silence sobre Hebron
continua no fim do blog

Após Gaza, há de se conhecer outra cidade-vítima do conflito Israel vs Palestina.      Uma cidade em que um punhado de gente escudada em centenas de soldados vem procedendo a um purgatio ethnos (expressão latino-grega equivalente a "limpeza étnica" na nossa língua) de uma perversidade tática sem precedentes na história da humanidade. Hebron é a cidade da Cisjordânia que catalisa o conflito da pior maneira possível. Em 1997, na época dos Acordos de Oslo II, Hebron tinha 130.003  palestinos e 530 colonos israelenses. Até 1967 a cidade só tinha habitantes palestinos, nativos ou vítimas da Naqba que tinham encontrado refúgio lá. Os problemas começaram nesse ano, quando ainda enibriados pela vitória da Guerra dos Seis Dias, o governo de Israel quis mostrar quem mandava construindo uma sinagoga no Túmulo dos Patriarcas - mesquita que abriga os restos mortais de Abrahão e Sara.  Aí a IDF (Forças Armadas de Israel) ocupou o pedaço. A ocupação civil começou em 1968 com um grupúsculo de judeus ortodoxos ultra-extremistas. Alugaram um hotel para celebrar Pessah como se estivessem de passagem (Pessah é uma cerimônia judaica mais ou menos na época da nossa Páscoa) e nunca mais deixaram a cidade.

Apesar da invasão ser ilegal, Tel Aviv permitiu que ficassem e se instalassem em um aglomerado de casas (pregadas na cidade) que chamaram de Kiryat Arba. Dez anos mais tarde, a invasão já levava a alcunha de "assentamento" para uns, "colônia" para outros e a ONU há anos condenava sua ilegalidade apesar dos disfarces semânticos usados. Kiryat Arba contava oficial e teoricamente com 250 apartamentos que alojavam cinco mil pessoas.
O nome da invasão foi tirado do capítulo 23 da Gênese do Antigo Testamento, que indica com este nome o local da morte e sepultamento da mulher de Abrahão, Sara, e a única parcela de terra que o casal teria possuido em seu périplo regional.  

Em abril de 1979, em uma estratégia maquiavélica, um grupo de invasores composto de treze mulheres e quarenta crianças penetrou na cidade antiga durante a noite e apoderou-se de um prédio inteiro sem que os moradores (pegos de surpresa como em Gaza durante os bombardeios noturnos da IDF) pudessem fazer nada para defender o local. Pois além da tática de não ter nenhum homem neste comando civil de abordagem, o grupo contou com a arma defensiva dos soldados da IDF e do governo.
Os primeiros deixa-los-iam morar lá e virariam seus guarda-costas quaisquer que fossem os crimes que mães e filhos endiabrados cometessem todos os dias, e o segundo, no ano seguinte, autorizar-lhes-ia oficialmente a ocupação deste edifício.
Foi aí que começou a invasão sub-reptícia da cidade propriamente dita.
Com a cumplicidade de uns primeiros-ministross e negligência de outros, os invasores, fortalecidos pelo escudo dos soldados, foram atacando os hebronitas até os acossarem entre cinco colônias de estrangeiros no seio da cidade -  Avraham Avinou, Beit Hadassah, Teit Romano, Beit Schneersohn e Tell Romeida - que passaram a dominar tudo o que estava em volta em uma realidade surreal.

Um punhado de mulheres, meninos e meninas adquiriu então um passatempo único e original. Infernizar a vida dos nativos de todas as maneiras que uma mente perversa pudesse e possa imaginar, no único intuito de transformar atos banais do quotidiano de um ser humano, tais como ir à escola e ao trabalho, fazer compras, sair de casa, abrir porta e janela, em atos de bravura temerários. As mulheres e crianças palestinas são apedrejadas pelos colonos quando saem de casa, insultados, ameaçados, agredidos com detritos no caminho da escola, do trabalho ou de compras de produtos de primeira necessidade. Casas e prédios ainda ocupados pelos donos que resistem ao terrorismo diário são cobertos de balas e de insultos ("Os palestinos são animais que deveriam estar enjaulados" "Espero que Deus queime todos os árabes no inferno... não são homens e sim cães" "Detestamos todos os árabes" "Morte aos árabes" "Kahane tinha razão" "Bendito seja doutor Goldstein!"...), e os soldados da IDF que têm brio e tentam fazer algo são impedidos pelas ordens de proteger os colonos de qualquer jeito, a qualquer hora e preço, sob pena de reprimenda que vai de leve a grave.

Blocos de cimento dividem a cidade e tem sodado da IDF em toda parte.
A cidade antiga (que era o centro econômico de Hebron) está na zona 2, e portanto, condenada à ruína. Pois para passar da zona H1 à H2, os palestinos têm de atravessar cerca de seis checkpoints "especiais" da IDF que proibe a passagem de veículos de uma zona à outra - o que obstacula o transporte de mercadorias asfixiando assim o antigo mercado.   Nos 101 postos de controle mantidos pela IDF, é comum que sejam os colonos e não os soldados que procedam à fiscalização de documentos dos palestinos como se tivessem autoridade. Estes controles de identidade são feitos com insultos e agressões já banalizadas. Humilhação nem se fala porque os cidadãos de Hebron há anos que andam de cabeça baixa.
Quanto aos próprios soldados israelenses, quando fazem as vontades dos compatriotas como babás de príncipes mimados são bem tratados ou suportados; quando tentam manter um mínimo de justiça e ordem equilibradas, os colonos os bombardeiam de palavrões e os chamam de nazistas por não serem suficientemente agressivos com os palestinos.
E com tal tática dos diabinhos (os meninos e os adolescentes são os algozes mais empedernidos) os oficiais e os soldados, não querendo ser repreendidos nem ter mancha no currículo militar, deixam os colonos à vontade para fazerem o que lhes apraz.
Os palestinos evitam circular nas ruas por medo de ataques físicos, morais e de "bala perdida".
A cidade vive em estado de emergência e para os colonos as ruas são para seu trânsito exclusivo - percorrem incansavelmente as zonas palestinas à caça da presa fácil armados de pedras e de qualquer objeto que sirva para dar paulada. 
Por isto os homens e rapazes hebronitas capazes de enfrentar o risco de queda são obrigados a se locomover nos telhados, por passagens precárias de tábuas postas entre uma e outra casa.
Como os colonos derrubam portas, investem as residências em comandos para-militares de mulheres e meninos que agridem as famílias palestinas na própria casa, estas parecem bunkers improvisados. Os moradores das zonas "sensíveis" foram obrigados a cercar a casa de grade, condenar a porta da frente e as janelas com tábuas grossas e fechaduras pesadas, embora estas precauções não dissuadam os depredadores destas moradias históricas.
É aquela estória do se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

A defesa contra o terrorismo diário é impossível porque se os hebronitas ensaiarem um movimento de auto-proteção vão parar na cadeia e nem Deus sabe quando poderão voltar para casa.   Muitos cidadãos só conseguem alimentar-se com a ajuda de voluntários de ONGs e organizações estrangeiras que fazem as compras para eles. E os estudantes só vão à escola quando são autorizados pelos soldados. Lojas são fechadas aleatoriamente pela IDF (cerca de 400 foram vítimas desta tática de estrangulamento econômico) e o comércio da cidade antiga, cerca de mil lojas, foi  fechado por falta de transporte de mercadoria e porque os compradores perderam acesso ao mercado.
Além do regime de terror que impuseram dentro da cidade, fora dela, os colonos destroem os campos de cultivo e envenenam as cabras das roças próximas dos checkpoints, nas barbas dos soldados. 
O último veneno que os colonos encontraram é um verde claro, granulado, que tem a "vantagem" de ainda não ter antídoto, de permanecer na carne e no leite durante meses e contaminar as pessoas por ingestão ao mesmo tempo que contamina o solo.
O interessante deste veneno é que a venda dele em Israel é controlada.

Este é o status quo contemporâneo. Vamos dar uma volta pela história antes de voltar à situação atual.  Primeiro a pseudo-religiosa, que é a fonte do mal dos colonos que resolveram abandonar a condição de seres humanos para viver como algozes.  O Túmulo dos Patriarcas abriga, segundo as placas, Abrahão e Sara, Isaac (segundo filho do casal) e a esposa Rebeca, Esaú e Jacó (os filhos gêmeos), Léa e Raquel (as duas esposas de Jacó).  Hoje ele é dividido em uma mesquita e uma sinagoga e os colonos israelenses ocupam 80% do local.  Abrahão é "pai" dos semitas, tanto árabes quanto israelitas, concebidos por suas duas mulheres através dos filhos Isaac e Ismael.
Diz outra lenda que foi também ali que Adão e Eva foram enterrados após terem sido enxotados do Paraíso.
O primeiro monumento religioso foi construído pelo rei Herodes (aquele do Massacre dos Inocentes e que construiu também o segundo templo de Jerusalém que os romanos destruíram nos anos 70 DC). Depois os cristãos aumentaram o edifício no qual ergueram uma igreja, que no Império Otomano, Saladin, após conquistar a cidade transformou em mesquita.
(Mais ou menos o mesmo processo do templo de Jerusalém em cujos escombros os cristãos elevariam uma Basílica dedicada a Nossa Senhora cercada de hospital e escola - como era a praxe nas construções católicas - e no Império Otomano o complexo seria derrubado e no lugar dele surgiria a mesquita Al-Aqsa).

Abrahão teria chegado na região Canaaita na época de dominação palestina ( em árabe فلسطينFilasṭīn, Falasṭīn, Filisṭīn; em grego Παλαιστίνη, Palaistinē; em latin Palaestina ), cujo povo passou à história ocidental com traduções distintas: Filisteus Antes de Critos e Palestinos Depois de Cristo - talvez para dar aparência de novidade, embora em hebraico e em árabe a designação do povo pre-dominante na/da Palestina há mais de cinco milênios seja a mesma do dominado no Século XXI.  O povo filistino-palestino é tão antigo que é citado na Gênesis da Bíblia. Data de no mínimo 3.500 anos Antes de Cristo. Suas cinco cidades principais estão no mapa acima. Dos palestinos de então duas figuras célebres - Golias e Dalila - ficaram para a história da qual se conhece a versão holywoodiana mais do que a verdade http://mariangelaberquo.blogspot.fr/2012/01/hamas-o-bicho-papao-que-falam.html).
Ambas personagens - Golias e Dalila - são palestinos originários de Gaza, que significa "forte" na língua antiga de Canaã. 
Golias era "presidente" da Pentápolis Filistina quando foi morto por David para salvar seu povo do massacre e da pilhagem que os recém-chegados levaram a cabo em seguida.
Quando Abrahão chegou à região, Hebron era uma cidade satélite das cinco metrópoles da Pentápolis na Idade do Bronze:  Ashkelon, Ashdod, Ekrom, Gaza e Gath - o mapa abaixo mostra as conquistas dos filistinos/palestinos e a quantidade de cidades que constituíam seu território quando os hebreus chegaram.
                                                             
Pesquisas arqueológicas revelam que os Filistinos ("Povos do mar" - nome de ironia histórica já que as águas salgadas lhes são hoje vedadas tanto no Mar Mediterrâneo na Faixa de Gaza quanto no Mar Morto na Cisjordânia, assim como a água doce dos aquíferos e do rio Jordão que a banha) espalharam sua influência à região de Canaã e consolidaram sua expansão em duas etapas.  A primeira durante o reino do faraó Ramsés III (entre 1184 e 1153 AC) e a segunda no colapso da hegemonia egípcia.  Segundo os textos religiosos, Abrahão entrou na Canaã filistina pelo rio Jabokk, atravessou o Jordão no encontro dos dois rios e seguiu caminho até Shechem (traduzida em português Siquém) - cidade canaita extinta situada na Samaria perto de Nablus na atual Cisjordânia, entre os montes Ebal e Garizim (que os Samaritanos da época de Jesus Cristo idolatravam), e que após a invasão israelita, dois filhos de Jacó (neto de Abrahão), para vingar o estupro da irmã, exterminaram a população adulta masculina da cidade e obrigaram os demais a se converterem à sua seita, como fariam em Hebron e nas demais cidades com algumas exceções na Pentápolis.

An Old Testament map of Early Canaan.
Quando Abrahão foi para lá, Jericó, Jerusalém, Beersheba e Hebron já existiam há centenas de anos no que era chamado reino de Canaã.

E quando os israelitas foram para a Palestina séculos mais tarde, no que é cnhecido como êxodo do Egito, estas cidades e todas as dominadas pela Pentápolis eram abundantemente habitadas. Não foram para uma terra despovoada que os esperava.
Em 1967 Hebron também era povoada de famílias palestinas que estavam lá há séculos e outras refugiadas desde a Naqba, mas cujos antepassados eram do território.
Quando Yasser Arafat foi obrigado a concordar com a divisão de Hebron nos Acordos de Oslo - divisão baseada na comodidade dos colonos que haviam ocupado a cidade - o distrito (o que para nós é município) propriamente dito era de dez quilômetros.
Nesta área relativamente pequena, os Acordos de Oslo deixaram aos hebronitas uma dúzia de enclaves semi-autônomos desconectados - Área B, domínio em teoria conjunto da Autoridade Palestina e da IDF, que na prática domina tudo.
A parte de Hebron em que os palestinos moram é cercada por todos os lados pela Área C sob controle total da IDF e semeada de colônias, checkpoints e barreiras que estrangulam a cidade.


Quando Hebron foi dividida em 1997 por imposição de Netanyahu, 90.000 palestinos ficaram sob jurisdição da Autoridade Palestina (H1) e 40.000 sob ocupação direta de Israel (H2), para o bem-estar dos 450 colonos que haviam se infiltrado no centro da cidade.  
Este mapa ao lado é do Ministro das Relações Exteriores de Israel e mostra algo peculiar.  Todas as estradas marcadas levam a cidades ou colônias israelenses (Beersheva, Beit Hagai, etc), tirando literalmente do mapa a Cisjordânia.  
O interessante não é apenas a omissão das cidades do país ocupado. É a prova da distância entre as exigências de Tel Aviv de reconhecimento formal de seu Estado e sua própria omissão dos palestinos no território ocupado. 
O governo israelense vive reclamando dos mapas do Hamas não incluírem o Estado de Israel, porém os deles fazem o mesmo, ao inverso, com naturalidade.  
A divisão draconiana de Hebron não foi apenas um capricho de Netanyahu. Foi uma estratégia calculada de limpeza étnica da cidade.

É o coração da cidade - a rua principal, o mercado, o tráfego - que foi sufocado para ir se extinguindo e escapando das mãos dos hebronitas.
O que mostra o mapa abaixo.

Neste mapa da mesma fonte ministerial, todos os sítios mostrados são os ocupados pelos israelenses civis e militares, como se os hebronitas fossem inexistentes ou fantasmas.  Mas os palestinos estão lá e representam 99,7% da população global.  Os colonos israelenses que moram em Hebron são extremistas do pior calibre. Invadem lojas para aterrorizar, pilhar, cortam a eletricidade e danificam a rede de água, depredam casas e carros, atacam crianças todos os dias no caminho da escola, passam o tempo dando golpes cada vez mais baixos e desmoralizam os israelenses honrados.
Como 500 pessoas (muitos deles, imigrantes dos Estados Unidos), inclusive crianças, conseguem aterrorizar 150.000 homens, mulheres e crianças o tempo todo sem que estes se defendam e reocupem sua cidade?
Porque estes 500 vândalos são respaldados por 4.000 soldados bem armados de armas sofisticadas, tanques, e todos os artefatos bélicos modernos disponíveis no mercado.
Falando em mercado, as colônias foram erguidas sobre ambos os lados da rua mercantil da cidade e os palestinos tiveram de cobrir toda a área com redes para se protegerem e proteger verduras e legumes dos detritos que despejam neles. Só não conseguem se livrar da urina e andam em ziguezague como fugindo de snipers.
E para completar, tem um projeto de construção de uma safe passage, tipo um "calçadão", mas não para os hebronitas circularem a salvo e sim para os colonos e os turistas judeus passarem e passearem. Inacessível aos moradores nativos, mas cuja construção prevê a demolição de no mínimo 15 casas ancestrais na cidade antiga e a desapropriação de mais 64 propriedades.
Como diz a jornalista Ada Eshpiz no jornal israelense Ha'aretz, O projeto de "calçadão" turístico que acabou de ser confirmado pelo Exército mostra que todo capricho dos colonos logo se torna um imperativo militar. A destruição das casas palestinas para a proteção dos colonos parece ser um preço baixo a pagar." 
Arquitetos e curadores estrangeiros denunciaram a provável perda deste patrimônio que embora ainda não tenha sido tombado não deixa de ser uma herança cultural universal e reclamam da passividade das potências ocidentais "ao contrário da explosão dos budas pelos taliban o Ocidente parece despreocupado com esta perda que é ainda mais próxima."

Rua Shuhada, a principal da cidade
As pressões aumentaram e por enquanto a Corte Suprema de Israel deu uma parada no projeto da IDF, mas as ONGs israelenses de Direitos Humanos temem que só tenha sido uma trégua. Pois é comum que o Tribunal ensaie uma resistenciazinha, mas cedo ou tarde cede aos desejos da IDF.   
E quando os juízes ouvem relatos dos ativistas das ONGs de como os soldados tratam os palestinos - que escolham entre nariz, braço ou perna que preferem que seja quebrado - fazem de conta que isto faz parte da política de limpeza de "terroristas árabes" da cidade.
Mas de fato a IDF e os vândalos ultra-ortodoxos aterrorizam, depredam e desapropriam justamente lugares que os colonos cobiçam para uso próprio.
O resultado da política de terror estabelecida na cidade é que na zona H1, metade dos 40 mil hebronitas foram enxotados de suas residências e dos 12 mil que habitavam o centro em 1997 só cinco mil ainda conseguem resistir à intimidação civil e militar, os maus-tratos, e ficar na casa dos antepassados.
Até o Canal 1 da televisão israelense fez um travelling no centro de Hebron e a câmera mostrou casas e mais casas depredadas com janelas e portas destroçadas, sem nenhuma condição de serem habitadas.
Há (poucos) cegos e surdos que ainda defendem os colonos com o argumento do massacre de 67 judeus em Hebron em 1929, esquecendo o dos palestinos no Túmulo dos Patriarcas em 1994 e irrelevando que Hebron pertence aos palestinos há cinco mil anos, com um interregno de cerca de 800 anos de dominação israelita, após a vitória de David sobre Golias.
Sem contar a destruição arquitetônica, destruição da economia, desestabilização de famílias e a limpeza étnica furtiva que vem sendo praticada desde 1967 no distrito, para o mundo inteiro ver e engolir como se fosse normal e aceitável que o valor da vida seja submetido a uma hierarquia.
É? 
Para os cristãos, a simples conjetura disto é ou deveria ser insuportável e inadmissível.
O problema de Hebron é tão grave e insustentável tanto para religiosos quanto para laicos, que em 1997, a ONU cumpriu pela primeira e única vez na ocupação da Palestina a obrigação de proteção e o direito de arbitragem em conflito inter-país que lhe é atribuído, enviando, por curto período, observadores desarmados à cidade.
Estes saíram de lá chocados, mas proibidos de fazer declarações públicas do que tinham testemunhado.
Parte do que eles viram está nos vídeos abaixo.


Reservista da IDF, forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence 
"Making the journey from Jerusalem to the divided city of Hebron, is a surprisingly pleasant experience. To reach Hebron, a city of great religious and political significance both to many Israelis and Palestinians (and in consequence scarred by many infamous acts of violence), you head south on Highway 60, known as the ‘Way of the Patriarchs’. You do not notice when you have crossed the Green Line into the occupied West Bank and apart from a few sightings of the separation barrier nothing seems amiss until you encounter the groups of soldiers and armoured vehicles that are everywhere in the old city of Hebron.  
Through the British pro-peace organisation Yachad, my tour of Hebron was organised by the Israeli NGO Breaking the Silence (BTS), a body set up “to expose the Israeli public to the reality of everyday life in the Occupied Territories.” It does so by collecting testimonies of soldiers who have served in the West Bank, and in consequence have a body of evidence of numerous illegal and immoral acts carried out by the Israeli Defence Forces there. They also take people to see various “flashpoints” in the Occupied Territories, Hebron being their most popular tour.
Like most of the people who work for BTS, our guide is Israeli. His name is Shay and he grew up in a typical Israeli family in the settlement of Ariel. His journey from settler to anti-occupation activist began when he was first deployed to the South Hebron Hills, an area he had been taught to assume swarmed with terrorists.
He was therefore surprised to discover that his role as a soldier was both quiet and mostly sedentary. After a couple of increasingly wearisome days, Shay’s commanding officer (a settler) comes rushing in to his station and orders him to follow in a chase up a nearby hill. Shay, assuming he is in pursuit of a terrorist, follows the officer and runs up the hill after him.
After a couple of minutes of seeing nothing he suddenly spots a lone Palestinian child ahead of them; the child is half-dressed and crying, desperately running away from his armed pursuers. The commanding officer starts shouting at the child, who eventually gets away onto private property. Shay recalls that his officer turned to him simply, said “good job”, and ordered him to return to base. Shocked at what he had been asked to do, Shay immediately telephoned his mother to detail exactly what had happened only to find that his own mother would not believe what he had been ordered to do.
Experiences such as these, shared by many young men and women who have served in the West Bank, led to the founding of BTS. They discovered that this experience, of the Israeli army manufacturing violent incidents and acting punitively towards civilians who plainly pose no threat whatsoever, was common not just in Hebron but across the entire West Bank. It was, as Shay put it, “the experience of a generation”.
Most of the Israeli public do not ever get to hear about incidents such as these, only 50% of Israeli’s serve in army and of those only 1/7 experience combat duty in the West Bank. What they know is only what their government and press tell them; it is no wonder they have trouble comprehending what their children are being asked to do. The objective of BTS is to change this: they want to “bring Hebron to Tel Aviv” and show the Israeli public exactly what their government is doing in their names.
The city of Hebron is divided between the old city (H2) which is home to around 700 settlers and 21,000 Palestinians and the modern city of Hebron (H1) where approximately 120,000 Palestinians live. H2 is entirely under Israeli military control, with approximately 650 soldiers and other security personnel present to protect the settlers. There are strict rules about where Palestinians are allowed go in H2 and curfew is strictly enforced. In an effort to destroy the desire for any sort of resistance, Israeli soldiers “make their presence felt” by patrolling the streets, acting in a hostile and sometimes violent manner to residents. It has even been known for the IDF to carry out training exercises on real civilian families, teaching new soldiers how to break into a house and arrest the occupants. Palestinians here have no system of law apart from the pronouncements of the IDF.
 Apart from the obvious difficulties of living under this draconian system martial law, Palestinians are also the recipients of abuse meted out by the settlers. The Israeli human rights NGO B’Tselem cite "almost daily physical violence and property damage by settlers in the city". Shay shows us the house of a deaf women who lives alone with her disabled son; settlers would throw garbage into her garden and daub insults on the walls of her home. Israeli activists would come and clean it all up only for it to happen again the next day.
The IDF often turns a blind eye to incidents like these, in part because they do not care, but in part because of the shockingly unprofessional relationships between the soldiers who serve in Hebron and the Israelis who live there. Locals regularly host soldiers who are serving in Hebron for meals in their homes and one settler has opened up a coffee shop with the sole purpose of providing free refreshment to soldiers. The fact that settlers do these things to curry favour with the soldiers (who are meant to be protecting both Palestinians and Israelis) is of course reprehensible. But the fact that soldiers capitulate to this and the IDF allows them to do so, is unforgivable. It is quite clear that the presence of the IDF is protect the illegal colonisers, not simply keep the peace.
The main road running through old Hebron, a-Shahuda Street, is empty. This was a once bustling marketplace, but has since been designated a road that only Israelis can use. Palestinians whose houses are on the a-Shahuda are prevented from leaving home by their front doors and must exit by climbing through their roofs and down the back of the building. This street was once the lively centre of Hebron with shops and market stalls, but today there is nothing, doors have been sealed shut and windows boarded.
Settlers spray-paint racist epithets on the doors and walls, but in an effort to normalise Israel’s occupation these are routinely painted over by the army. Settlers claim that these shops were shut down in 2000 after the Oslo Accords Summit at Camp David; in truth the restrictions started 6 years earlier in 1994 after the settler Baruch Goldstein murdered 29 Palestinians and injured a further 125. They were fully enforced after the second intifada.
Palestinians were punished for a crime they were the victims of, a common theme in the occupied territories. The Palestinians who remain in the old city of Hebron are amongst the poorest, 80% live below the poverty line and there are little to no employment opportunities. Those with the means leave as soon as they are able to and those who could not have been left trapped between grinding poverty and the iron fist of a foreign army.
Land theft still persists. It is not uncommon for settlers to build on private Palestinian land and even though the IDF sometimes take these structures down, settler persistence and government apathy means that many of the buildings stay. On occasion, the Israeli government will play an active role in assisting this colonisation. It demolished two houses in order that a shortcut could be built from the nearby settlement of Kiryat Arba to the Tomb of the Patriarchs – no one was asked permission, no one was compensated.
Going through the checkpoint from the old city to H1 is akin to walking through the looking glass. Within 50 metres you have walked from a sad, deserted road to an active city full of life. New Hebron is far from prosperous, life is simple and hard, but one is not forced to live under the dual fear of settler violence and the military boot.
Yet on seeing these busy streets, with the market stores brimming with harvest it is hard not to feel saddened by the reminder that this is what a-Shahuda street looked like not too long ago. There was time, prior to the creation of the state of Israel, when Hebron was undivided. Jews and Arabs lived alongside each other in peaceful quiet until violence from both sides brought that time to an abrupt end. Neither peoples in Hebron have clean hands, but today Israel is the aggressor, controlling the lives of Palestinians so that a handful of messianic colonisers can think they are walking in the footsteps of their patriarchs.
Everything that goes on in H2 is done in the name of security, yet on seeing Hebron first-hand it is hard to look upon this as anything other than a flimsy cover-story. Israel never pauses to ask itself what it would not do in the name of security.
As Shay told us, “there is no moral way to occupy someone…if you agree with occupation you agree with everything you see around you”. What I saw that day in Hebron was shocking and deeply painful; a military power exerting its force on a weak and compromised people in order to protect settlers who should not be there in the first place. This is a situation as morally indefensible as it is illegal".
Michael Goldin, has recently completed a law degree and is soon to commence a masters in legal and political theory at University College London. He is particularly interested in European human rights, the philosophy of human rights and the Israeli/Palestinian conflict.
Hebron documentada pela ONG israelense de Direitos Humanos B'TSELEM
Fida, jovem palestina de 14 anos da família Abou Aisha,
cuja casa fica em um bairro vizinho de uma área ocupada pela colônia Tel Rumeida em Hebron, cansada dos ataques que a família sofre todos os dias na rua e na casa-jaula em que residem, documentou agressões.

Ato corriqueiro em Hebron
Soldados da IDF fecham sistematica e aleatoriamente comércios palestinos no centro de Hebron a fim de proteger os colonos impossibilitando o comércio e forçando os nativos a abandonarem residência e meio de subsistência, em benefício dos israelenses.

Outro ato corriqueiro filmado em fevereiro
A IDF interditou uma rua na área palestina de Hebron, para conforto dos colonos israelenses, alguns jovens reagiram, os soldados os atacaram com jatos de skunk (um líquido fedorento que cola na roupa e no corpo) e sobrou também para a família Fanun, a caminho do cemitério para enterrar um parente que morrera no dia anterior.
Reservistas da IDF Breaking the Silence sobre Hebron - continuação


Hebron na TV israelense
Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/;
Lista de produtos das colônias a serem boicotados:




domingo, 22 de abril de 2012

Alienação esportiva e a ex-Primavera Árabe


Nesta época em 2011, o mundo árabe estava em tal efervescência sócio-política que contagiou até Israel e os Estados Unidos atingindo Wall Street.
Nós jornalistas interessados nesta região do mundo cobríamos o rosto como o Zorro (amigo do Tonto) para evitar os gases e corríamos em zigue-zague para escapar das cacetadas enquanto respirávamos sofregamente os novos ares da liberdade na qual queríamos acreditar como os jovens de Alexandria, Cairo, Manama, Saana, Tunis, acreditavam.
Hoje o que se sente em uma e outra capital é um ventinho que sopra nos ouvidos em vez de brisa irresistível, mas quem viver verá como terminará tudo isto.
Nós ocidentais - tanto os poderosos que decidem o destino do mundo quanto os alienados que acham que a vida se resume aos interesses imediatos, ao próprio bairro, cidade, estado e no máximo às fronteiras do nosso país adorado e querem acreditar que o esporte é algo à parte - não deixamos de ter responsabilidade coletiva nos males nacionais e individuais que afligem o mundo.
Começando pela alienação esportiva.

A corrida de Formula 1 do Bahrein foi prova disto.
O magnata Bernie Ecclestone declarou sem vergonha que a Formula 1 não tinha nada a ver com as passeatas populares determinadas a evitar que o Grande Prêmio se desenrolasse como se as batalhas de 2011 por respeito e liberdade reprimidas a fogo e gás não representassem nada. No fim deu seguimento ao espetáculo planetário.
A repressão correu solta nas ruas, um homem foi parar no cemitério, mas os pilotos estavam lá, a postos, assistindo de camarote dos hotéis cinco estrelas o pau quebrar e se convencendo que sua atuação no domingo era alheia ao que acontecia à sua volta.


Alguns jornalistas tentaram informá-los ou lembrá-los do porquê dos Bahreinitas quererem que voltassem pra casa sem esquentarem as pistas, em vão. Ou melhor, só o piloto australiano Mark Webber questionou publicamente a moralidade de correr como se estivesse na Austrália democrática.
E o que é mesmo que vem acontecendo no Bahrein que o povo continua com as passeatas iniciadas no ano passado?
 
Tudo começou com a maioria da população xiita reivindicando da família real um regime democrático que permita que o povo tenha voz ativa e desfrute da renda petrolífera e não só a minoria sunita ligada à família real que faz e desfaz conforme os interesses dos sauditas.
Aí a pergunta é simples.
Se fosse no Irã ou na Síria, Eccleston teria aceitado o convite do Grande Prêmio e teria ido até o fim com o circo mediático-esportivo?
É bem provável que não. Os lobis que se opõem a estes países são fortes demais para permitirem a legitimização destes regimes, quanto mais uma corrida transmitida pelas televisões do mundo. 


Pratiquei esportes coletivos quando estava na escola e continuo gostando muito de assistir a jogos além dos da Seleção na Copa do Mundo. Tendo vivido a solidariedade de uma equipe, não consigo entender como um desportita consegue dissossiar o esporte do lugar e com quem o pratica.
Isto para mim é um mistério, incompreensível.
A "imparcialidade" esportiva já causou muitos danos no século passado. Nas Olimpíadas na Alemanha nazista de 1936, na Copa do Mundo na Itália fascista e em eventos esportivos na África do Sul do apartheid. Eventos que querendo ou não legitimavam estes regimes.
Não estamos na Idade da Pedra e sim no século XXI e os meios de comunicação permitem que todo mundo, inclusive os responsáveis esportivos, jogadores e corredores profissionais, estejam informados do que acontece no mundo e apliquem a ética esportiva também na política, que, no final das contas, rege tudo.
Como dizia o poeta, todo ato é político. Inclusive a imparcialidade e o imobilismo.
Os jogadores de hoje desfrutam de tratamento mais sofisticado do que de astronauta, os corredores de Fórmula 1 correm em veículos que na época do Emerson Fittipaldi eram ficção científica. Como então justificar que a mentalidade dos atletas, qualquer que seja a disciplina, continue tacanha e desinteressada dos problemas do mundo em que vivem?

Será que é normal que nos contentarmos com os direitos que conquistamos em nossos países - de reclamar, escolher quem nos governa, o que fazer, por onde andar, termos cidadania, enquanto assistimos a ditadores reprimindo e oprimindo seu povo e chefes de Estados expansionistas ocupando terra alheia como se a ilegalidade fosse direito adquirido?
Eu acho que não é normal cruzar os braços e nem que os competidores que ostentem nossas cores se apresentem em quadras, campos e pistas de países dominados por ditadores e de países que oprimem outros.
Nem que disputem de igual para igual competições internacionais com desportistas que representem países que oprimem outros.
Ignorância tem limite. Displicência e ganância, também deveriam.


Passando a outro assunto, mas correlato também na geografia, em que pé estão as revoluções árabes do ano passado?
No Bahrein, o rei Hamad Salman Al Khalifa continua esmagando os oponentes e derramando sangue enquanto os pilotos correm e bebem champagne.
No Egito, o sinistro Omar Suleiman, ex-chefe do Serviço Secreto do país (o "SNI" local) ousou candidatar-se à presidência e não arreda o pé do poder que gaugou com a queda do amigo Mubarak. Como previsto.
A Líbia livre de Gaddafi está sendo pilhada, sucateada, e os "rebeldes" há meses brigam entre si sem lei nenhuma no país.
Também como previsto.
No Yêmen, o al-Qaeda aproveitou a insatisfação geral contra o ditador que não desencarna para ganhar terreno e o resultado na semanda passada foi uma confrontação que deixou 61 mortos.
Ídem.
Na Síria, em que o quiet american age através dos sauditas e quataris enchendo os rebeldes de armas, Bashar el-Assad dialogou com a ONU e vai receber os 300 monitores do seu projeto de "boa vontade", enquanto a violência chegou à fronteira e ameaça o Líbano.
Também previsível.
E Washington, para garantir que tudo corra da melhor maneira possível para os 1% que elegem o presidente que faz e desfaz as guerras na Terra, criou um Forum de Cooperação de Segurança entre os Estados Unidos e o Conselho de Cooperação do Golfo. Assim a Casa Branca continua no comando por vias indiretas de tudo o que se passa na área e seus trilionários continuem a levar vantagem nos negócios que são abertos.

Eu (e muitos analistas locais) acho mesmo é que o Novo Mundo Árabe que resultou da Primavera revolucionária é um clone do Antigo Mundo Árabe, com mais cabeça de mulher coberta.
A região continua buscando dois elementos vitais para a estabilidade regional.
A primeira é um Estado Palestino autônomo.
A segunda é representar um papel que corresponda à dimensão e importância do poder linguístico que representam, ligação histórico-geográfica, e aspirações de desenvolvimento e integração econômica.
Desde a morte de Nasser que os países árabes viviam cada um para si e a Primavera Árabe, por mais que as flores tenham murchado, foi a primeira tentativa desses Estados reivindicarem unidade de objetivos e de caminho. O da liberdade.
Os islamitas estão na cabeça na Tunísia (com estudantes nas ruas exigindo laicidade) e nas pesquisas egípcias.
Todos (ocidentais e intelectuais locais) prefeririam que os governos desses países fossem laicos.
Porém, os países árabes, como o Irã, são submetidos a uma divisão social nítida que repercute nas expectativas dos cidadãos majoritários.
A partir da classe média que escolariza os filhos, a laicidade impera.
Abaixo dela, a religião é a tábua de salvação à qual os pobres se apegam.
Esta classe C, D, E é dominante em todos os países árabes e a democracia lhe dá voz e a revela. 
O poder democrático é o dela. 
 
 



What must be said, o poema do Prêmio Nobel de literatura Günter Grass que despertou a fúria de Binyamin Netanyahu em Tel Aviv e deu no que falar.

Why have I kept silent, held back so long, on something openly practised in war games,
at the end of which those of us who survive will at best be footnotes?
It's the alleged right to a first strike that could destroy an Iranian people subjugated by a loudmouth
and gathered in organized rallies, because an atom bomb may be being developed within his arc of power. 
Yet why do I hesitate to name that other land in which for years – although kept secret –
a growing nuclear power has existed beyond supervision or verification, subject to no inspection of any kind?
This general silence on the facts, before which my own silence has bowed, seems to me a troubling, enforced lie, leading to a likely punishment the moment it's broken:
the verdict "Anti-semitism" falls easily.
But now that my own country, brought in time after time for questioning about its own crimes, profound and beyond compare, has delivered yet another submarine to Israel, (in what is purely a business transaction, though glibly declared an act of reparation) whose speciality consists in its ability to direct nuclear warheads toward an area in which not a single atom bomb has yet been proved to exist, its feared existence proof enough, I'll say what must be said.
But why have I kept silent till now?
Because I thought my own origins, tarnished by a stain that can never be removed, meant I could not expect Israel, a land to which I am, and always will be, attached, to accept this open declaration of the truth.
Why only now, grown old, and with what ink remains, do I say:
Israel's atomic power endangers an already fragile world peace?
Because what must be said may be too late tomorrow; and because – burdened enough as Germans –
we may be providing material for a crime that is foreseeable, so that our complicity will not be expunged by any of the usual excuses.
And granted: I've broken my silence because I'm sick of the West's hypocrisy; and I hope too that many may be freed from their silence, may demand that those responsible for the open danger
we face renounce the use of force, may insist that the governments of both Iran and Israel allow an international authority free and open inspection of the nuclear potential and capability of both.
No other course offers help to Israelis and Palestinians alike, to all those living side by side in enmity
in this region occupied by illusions, and ultimately, to all of us.



domingo, 15 de abril de 2012

Israel vs Palestina: História de um conflito IX (1996-1997)



O assassinato do chefe da Brigada al-Qassan na Cisjordânia, Yahya Ayyash, emsombrara em janeiro o pleito que elegera Yasser Arafat à presidência da Autoridade Palestina com maioria de dois terços no Conselho Legislativo de 88 deputados, mas estes se puseram logo ao trabalho. Em abril aprovaram a eliminação na Carta constituinte da frase que negava a existência de Israel.
Do outro lado da Linha Verde, a eleição de Binyanim Netanyahu no fim de maio fora um balde de água gelada na paz orquestrada pelo ex-primeiro ministro Yitzhak Rabin, mas apesar deste porém, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza o vento que soprava em 1996 ainda era de esperança de liberdade.
Em Israel, os simpatizantes das negociações iniciadas por Rabin eram minoria no Knesset (Congresso israelense), mas a maioria do Likud, partido de direita que elegera Binyamin Netanyahu, era curta demais para que ele tivesse margem de impor aleatoriamente a política dos sionistas radicais.
Pelo menos era o que os israelenses liberais acreditavam.
Apesar do respaldo limitado, em junho, logo depois de empossado, Netanyahu acenou para seu eleitorado confirmando que não dividiria Jerusalém com os palestinos nem desistiria de terras ocupadas para que os autóctones constituissem seu Estado.
Arafat pôs panos quentes e o Hamas propôs cessar-fogo contanto que Israel parasse os ataques, libertasse prisioneiros políticos e abrisse a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
A proposta caiu em ouvidos moucos.
Diante do impasse da incomunicabilidade, cada um foi buscar apoio de um lado.
Netanyahu foi a Washington pedir para Bill Clinton aumento de fundos e de armas apelando para a lenga lenga do direito de defesa sem limite e Arafat conversou com o ministro das Relações Exteriores de Israel David Levy e foi a Damasco pedir apoio a Hafez el-Assad, tão insatisfeito com Netanyahu quanto ele pela recusa deste de devolver o Golan à Síria.
Vendo que todas as conquistas estavam ameaçadas, Arafat resolveu apelar para Washington para que Bill Clinton convencesse o afilhado a encontrá-lo, o Presidente dos Estados Unidos fez o necessário e no dia 04 de setembro Netanyahu e Arafat se reuniram em volta de uma mesa em terra palestina, mas no no man's land do checkpoint de Erez na entrada principal da Faixa de Gaza.
A conversa foi mediada pela ONU e a Noruega no intuito dos adversários concordarem em prosseguir as negociações e no final do Encontro os dois homens definiram de comum acordo que as questões pendentes seriam resolvidas em comitês conjuntos. Dentre estas, a evacuação de Hebron, a abertura da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e o aeroporto palestino. Decisões devidamente lavradas com a firma de ambos.
Contudo, em vez de aproveitar a oportunidade de tomar a via pacífica, o Primeiro Ministro israelense anunciou quase no mesmo fôlego que cancelaria a proibição de novas invasões israelenses na Cisjordânia impostas por Rabin, autorizaria a instalação de mais duas mil famílias em colônias existentes e construiria um túnel embaixo da mesquita Al-Aqsa, em Jerusalém.
Foi como se tivesse posto fogo em um pavio de dinamite.
Em vez de recuar como prometera, avançava.
Passeatas eclodiram nas cidades dos Territórios Ocupados e os cristãos palestinos se juntaram aos muçulmanos para condenar a vigilância subterrânea do lugar sagrado.
Israel declarou estado de emergência nos Territórios Ocupados, a repressão da IDF foi geral e irrestrita, os palestinos logo começaram a recolher feridos e mais de 70 mortos foram enterrados, o Conselho de Segurança da ONU reuniu-se às pressas e solicitou no dia 27 de setembro (no dia que Israel começou a caval o túnel fatídico) cessação imediata de todos os atos que agravassem a situação e o restabelecimento do status quo anterior à revolta popular.
Netanyahu fez-se de novo de surdo, dobrou o número de soldados em Jerusalém e avisou que ia reocupar as cidades que Rabin devolvera à administração da Autoridade Palestina.
Bill Clinton, sentind que seus esforços junto a Netanyahu foram vãos e que estava perdendo as rédeas, voltou entrar na dança do dito que virou não dito propondo reunião de cúpula para esclarecer o assunto.
Como até então em Tel Aviv os desejos de Washington eram ordens (hoje em dia é a APAIC que canta de galo) no dia 1° de outubro Netanyahu e Arafat foram a Washington ouvir o que o Presidente dos Estados Unidos tinha a declarar na presença de uma testemunha regional - o rei Hussein da Jordânia - que desde as escaramuchas com o a OLP e o Fatah na sua capital, pendia mais para Tel Aviv do que para Gaza.
Dois dias mais tarde, voltando para casa, nenhum dos dois protagonistas do drama político esbanjava otimismo e em Washington e os rumores que circulavam era que a reunião fora infrutífera devido à inflexibilidade de Netanyahu que invalidava uma a uma as vitórias mútuas que Arafat e Rabin haviam recentemente alcançado.
Temendo a escalada da violência, no dia 8 de outubro o presidente de Israel, Ezer Weizman, convidou Yasser Arafat para um bate-papo em sua casa a fim de acalmá-lo no encontro informal e propor novo encontro com Netanyahu para resolverem os problemas de maneira amigável. E para demonstrar boa vontade, o governo divulgou que pretendia retirar quase todos os soldados de Hebron.
O "pretendia" e o "quase" soaram mal no ouvido de Arafat. Macaco velho, ele solicitou que a União Europeia pressionasse Netanyahu para parar as invasões e cumprir o combinado, os Estados Unidos falaram em voz alta o que sussurravam nos bastidores, ou seja, que Netanyahu estava pondo o processo de paz em perigo com a expansão das colônias, e para oficiliazar o descontentamento que reinava nas capitais orientais e ocidentais, em Assembleia Geral, 126 membros da ONU exigiram que Israel pusesse um ponto final às colônias ilegais. 
A resposta de Netanyahu foi como se em vez de repreendido tivesse sido louvado. Em dezembro autorizou que novas famílias judias construíssem sobre os escombros das residências palestinas que os caterpillars derrubavam e que outras se instalassem no Vale do Jordão, definido pela ONU como propriedade palestina legítima além de ancestral. 
Mesmo após este gesto que o deixou de saia justa e sob pressão até dos companheiros do Fatah, Arafat prosseguiu as negociações periféricas e concordou com o encontro sugerido por Weizman no início do ano seguinte para resolver de uma vez por todas a questão espinhosa de Hebron.
O Encontro aconteceu e o Protocolo de Hebron foi assinado no dia 15 de janeiro de 1997.
Nele, Netanyahu e Arafat firmaram um Tratado de retirada da IDF de Hebron e de zonas rurais da Cisjordânia seguindo um calendário que ia de março de 1997 a agosto de 1998 e definiram a retomada das negociações sobre o estatuto permanente da Palestina.
Parecia que os dois líderes começavam a falar a mesma língua.
Entretanto, no dia 7 de março Netanyahu deu pra trás.
Anunciou que no final das contas só se retiraria de 9 dos 30% do território palestino combinado e  no dia 17, enquanto as tropas da IDF ensaiavam retirada lenta de Hebron, uma nova colônia estava sendo implantada nada mais nada menos do que na colina de Har Homa em Jerusalém Oriental, devorando um sítio florestal palestino há centenas de anos preservado.
Aí Arafat se deu conta que fora enganado e pediu audiência com Bill Clinton para reclamar.
Enquanto estava em Washington ouvindo promessas recebeu notícia que a IDF acabara de interditar escritórios de quatro organizações palestinas em Jerusalém Oriental e cético em relação ao compromisso dos Estados Unidos com ambos os lados, recorreu à ONU para que defendesse as próprias leis que aprovara.
Em desespero de causa Arafat convocou uma conferência de crise em Gaza no dia 15 de março e contou com a participação de representantes de vários países europeus e dos EUA, que demonstrava que as potências ocidentais queriam acertar o que deixaram ser entortado.
Entretanto, no dia 18 Netanyahu desafiou todo mundo começando a construção da colônia da discórdia em Har Homa.
Aí deu tudo errado. 
A ONU se reuniu em célula de crise para voltar a condenar as colônias e por se preocupar "com as medidas ilegais tomadas por Israel na Jerusalém Oriental ocupada e no resto do território palestino". Só em 1997 a ONU debateu sobre as irregularidades de Israel três vezes - em abril, julho e novembro - em Assembleia ou no Conselho de Segurança. Todas as vezes votou Resolução condenando o ocupante pela ilegalidade e pela violação persistente da Convenção de Genebra relativa à proteção dos civis em tempos de guerra, solicitando uma conferência para definir medidas para impor a Convenção nos Territórios Ocupados, inclusive Jerusalém.
Contudo, os Estados Unidos usaram seu direito de veto em todas as Resoluções, tirando toda e qualquer autoridade das Nações Unidas junto a Israel. 
A frustração com a incapacidade até da ONU de exercer sua autoridade fez com que o Hamas multiplicasse os atentados para ser ouvido da pior maneira imaginável.
No dia 27 de agosto, pressionado para interromper as bombas-suicidas, Bill Clinton enviou Dennis Ross ao Oriente Médio para encontrar Netanyahu e Arafat, cada um do seu lado, e Arafat depois reclamou do protecionismo exarcebado que Israel gozava nos Estados Unidos, que dava a Netanyahu vantagem e segurança para desafiar não apenas os palestinos como também as Nações Unidas.
Dennis Ross voltou para casa sem resolver grande coisa.
A despeito do assassinato de Ayyash as bombas do Hamas continuavam a explodir em Israel fazendo várias vítimas, a população vivia no mesmo pânico que os palestinos nos Territórios Ocupados, e o Partido Trabalhista resolveu parar Netanyahu escolhendo como líder Ehud Barak, outro ex-comandante da IDF. Esperando conquistar o eleitorado que havia debandado para o outro lado com a ilusão de garantia de seguridade.
Enquanto isto Arafat contra-atacava resistindo como podia e em agosto os palestinos começaram a boicotar produtos israelenses, e com isto, mais a assiduidade dos atentados, Bill Clinton decidiu enviar a Tel Aviv sua Secretária de Estado Madeleine Albright para que tentasse retomar o diálogo.
Madeleine Albright foi a Tel Aviv no dia 09 de setembro, conversou, e duas semanas depois, no dia 25, para ser precisa, Netanyahu com ou sem a bênção dos Estados Unidos, deu uma das maiores mancadas da carreira.
Ordenou o assassinato do líder político do Hamas, Khaled Meshaal, e o atentado foi um fiasco que lhe custaria caro.
O plano do Mossad (serviço secreto israelense) era banal e corriqueiro - uma mini-seringa contendo um veneno letal (que faria efeito oito horas mais tarde) seria injetado na vítima, de passagem, e o caso estaria encerrado no maior segredo, desconfiar-se-ia do Mossad, mas sem provas tudo terminaria em pizza. 
Os dois agentes israelenses entraram na Jordânia com passaporte canadense e abordaram Meshaal na porta de seu escritório em Amman como planejado. Só que ao picá-lo deram uma esbarrada mais forte do que o necessário, a presa deu o alarma, chamou a atenção do motorista que acorreu e deu uma jornalada em um dos agressores, os dois escaparam em um carro, o motorista anotou a placa e foi à caça até alcançá-los, interceptou-os com a ajuda de agentes jordanianos à paisana e ficando sabendo do fracasso, os quatro agentes de respaldo em vez de desaparecerem, como é a praxe, se refugiaram na embaixada de Israel atestando a cumplicidade.
Os agentes foram facilmente desmascarados com o depoimento de funcionários da embaixada do Canadá e vendo que não conseguiria safar-se dessa sem estrago, para limitá-lo, Netanyahu ligou para o rei Hussein para avisar da mancada e despachou para Amman o próprio chefe do Mossad para tentar limpar a barra - Dany Yaton gozava de ótimas relações com o rei Hussein desde que fora secretário militar de Yitzhak Rabin. Tanto que três semanas antes fora convidado com a família para um regata no iate do rei da Jordânia.
O rei recebeu-o escandalizado com a "traição", o choque aumentou quando lhe foi dito que Meshaal morreria em poucas horas e ficou ainda mais revoltado quando ao perguntar a Yaton como o apunhalara desta forma, recebeu uma resposta clara: "Sou um soldado. Executo ordens."
A emenda de mandar o amigo foi pior que o soneto do crime, o rei deu a conversa por encerrada e Yaton, antes de retornar a Tel Aviv entregou ao chefe do serviço secreto jordaniano o antídoto que salvaria a vida de Meshaal.
Mesmo assim o rei Hussein não se acalmava e Netanyahu despachou para lá Ariel Sharon, que tinha com  o rei da Jordânia a antipatia comum por Yasser Arafat.
No fim da conversa de três horas Israel recuperou os dois agentes desastrados, mas mediante a libertação de 37 prisioneiros políticos palestinos. Dentre eles, o sheik Ahmed Yassine, fundador e líder espiritual do Hamas.
A contrapartida exigida por Netanyahu foi uma quimera. Que Yassine dissuadisse seus concidadãos de continuar os atentados...
O bode espiatório de Netanyahu foi Dany Yaton, mas diz-se que a falha tem razões mais profundas. A arrogância desmesurada do serviço de espionagem israelense, a certeza de impunidade, e a rivalidade entre o Mossad e o Aman, serviço de espionagem da IDF.
O resultado foi a libertação de Yassine, com 61 anos, no dia 01 de outubro. Teve acolhida de herói na chegada em Gaza, e foi acolhido com respeito inclusive por Yasser Arafat.
Netanyahu logo entendeu que sua pisada de bola era brava e com Yassine de volta à arena, tentando acalmar o jogo de golpes da IDF e do Hamas, voltou a encontrar Yasser Arafat no dia 8 de outubro. Os dois homens não se viam desde fevereiro e a conversa foi aparentemente bastante civilizada. 
O Primeiro Ministro foi tão cordato que Yasser Arafat até começou um recenceamento, a fim de saber exatamente o número de cidadãos palestinos da Cisjordânia, da Faixa de Gaza e de suas necessidades.
Começou em Jerusalém, com dados simples, e o recenseamento parou lá mesmo.
Netanyahu apresentou uma lei urgente no Knesset para bloquear o processo iniciado desentendendo gregos e troianos.
Como se o simples fato dessas famílias existirem fosse menos importante do que os nomes e os dados que comprovavam que eram homens, mulheres, crianças, pessoas normais que davam duro, viviam em propriedades herdadas de seus ancestrais, possuíam bens que eram fruto de muito trabalho, embora os soldados da IDF os usassem e abusassem como se não valessem nada.

"We are frequently told that we must sympathize with Israel because of the suffering of the Jews in Europe at the hands of the Nazis.
I see in this suggestion no reason to perpetuate any suffering.
What Israel is doing today cannot be condoned, and to invoke the horrors of the past to justify those of the present is gross hypocrisy."
Bertrand Russel


Documentário Al Jazeera: Kill him softly
conta a tentativa de assassinato de Khaled Meshaal



Reservista da IDF, forças israelenses de ocupação,
 Shovrim Shtika - Breaking the Silence
Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/;
Lista de produtos das colônias a serem boicotados: