domingo, 25 de dezembro de 2016

Vinde a mim as criancinhas

Hoje é dia de Natal e estou em espírito de paz, em casa, no Brasil, cercada de carinho, amigos e família.
Mas como não consigo desligar-me dos palestinos, espezinhados justamente na terra que viu Jesus Cristo nascer, volto a apresentar Handala.
Handala é o "mascote" deste blog por ter virado o meu desde a década de oitenta. Desde o massacre dos palestinos refugiados nos Campos de Sabra e Shatila.
Antes dessa atrocidade, eu mal seguia, ou seguia mal, a ocupação e o conflito. Desde então faço o meu mea culpa militando pela justiça informando sempre que possível. 
Neste ano em que pela primeira vez os Estados Unidos se abstiveram, em vez de vetarem, a resolução da ONU condenando as invasões judias ilegais no território palestino ocupado, que chamamos Cisjordânia, como nos anteriores, milhares de palestinos cristãos foram bloqueados nas portas de Jerusalém e de Belém. 
Neste fim de ano de 2016, enquanto celebramos o amor absoluto, a moral e a ética encarnada pelo aniversariante do dia 25 de dezembro, permitimos, por omissão, que milhões de palestinos da diáspora sejam proibidos de retornar à pátria. 
Permitimos, por omissão, que milhares de refugiados expulsos de Yarmouk encontrem-se ao Deus dará. 
Permitimos, por omissão, que apenas dez por cento da população de Gaza tenha acesso a água potável. Que a população gazauí inteira continue concentrada na Faixa bloqueada por terra, água e mar. Que os palestinos da Cisjordânia continuem sob ocupação draconiana. 
Por pecarmos por passividade, pensemos neles e no que Jesus faria por eles.    
Na Palestina há milhões de meninos de olhar triste, deficientes físicos por causa de tiros, bombas, armas químicas, desesperançados de um dia serem cidadãos normais com passaporte e liberdade de ir e vir sem a ameaça de serem presos, maltratados, baleados, mas que resistem vivendo, estudando, olhando pra frente, perseverando. 
Aí um artista criou uma personagem baseada nestes meninos. Que os ilustra e os homenageia de maneira séria e lúdica. 
Um menininho que não é risonho, faceiro, mas enternece todos os que o veem.
Este menininho diferente dos seus filhos e dos dos seus amigos, perdeu a inocência desde que se entendeu por gente. Desde que os primeiros soldados israelenses invadiram sua casa, a puseram de cabeça para baixo, o trancaram em um cômodo amontoado com as pessoas que lhe eram mais caras, instalaram-se em seu lar como se fosse a casa da sogra, serviram-se na geladeira e nos armários, surrupiaram "lembranças" de valor às vezes inestimável, e ficaram, ficaram, até se mudarem para outra residência para azucrinar e despojar mais famílias e ele finalmente poder sair e ver o pai que idolatra ser humilhado em uma barragem, despido de roupas e de dignidade, e seu peito disparar, ficar bem apertado, seus olhos lacrimejarem, sua cabecinha pesar uma tonelada de pensamentos sombrios e desesperados.
Esse menininho diferente dos demais se chama Handala.


Pronunciado Hanthala, Hanzala, Handhala, e em português, Randala.

Handala é criação do artista palestino Naji Salim Husain Al-Ali.
Nasceu no Koweite para o jornal Al-Siyyasa.

O nome desta personagem viva, sagaz, determinada, tranquila,
que virou emblema da Palestina,
deriva de uma planta chamada handhal, em árabe.

Planta resistente, de raízes profundas, firmes, fecundas e com capacidade de regenerar-se quando extirpada até com violência.
Handala é um garotinho horrorizado com a injustiça adulta, maléfica, gratuita e não cresce nunca;
como a personagem do Tambor, do escritor alemão Günther Grass. 
Pois as injustiças das quais seu povo é alvo e a indiferença que extingue sua raça dia a dia lhes são doloridas e incompreensíveis. Inadmissíveis até para nós, autônomos e livres.  
Handala então não cresce e empunha a chave de sua casa desapropriada (para um judeu estrangeir vindo de além mar ou simplesmente para ser queimada) e na outra mão uma espada imaginária para abrir o caminho de espinhos que o ocupante semeou em suas terras milenares com minas e invasões bárbaras. 
Handala representa a nação palestina inteira e o próprio Naji al-Ali que aos 10 anos de idade foi também desraizado de sua cidade natal al-Shajarah - entre Nazaré e o Mar da Galileia.
E é com esta idade do choque fatídico que retornará ao lar, um dia, Insha'Allah!
Shajarah significa "árvore" em árabe.
Naji nasceu lá e desde o dia em que foi despojado de passado, futuro e nacionalidade, agarrou-se à força da árvore e botou os pés na estrada como se fossem troncos móveis prontos a retornar à terra natal e seus braços, galhos potentes que em suas extremidades seguravam mãos criativas e ágeis a serviço de sua legítima causa.   
A cidade de Naji e seus ancestrais foi destruída em 1948, na Naqba.
Shajarah foi batizada em homenagem a Jesus Cristo. 
Em suas peregrinações, O Redentor que celebramos hoje lá sentou-se com os apóstolos à sombra de uma árvore solitária e transmitiu ensinamentos, caridade e curou viajantes de mazelas e grandes males. 
Jesus estava a caminho de Nazaré; onde foi rejeitado.
Shajarah foi destruída por grupos para-militares sionistas junto com outras 480 cidades palestinas,
cujos habitantes foram massacrados ou engrossaram a diáspora durante a Naqba.
Como Naji e seus pais.

A família de Naji conseguiu escapar deixando para trás fazenda cultivada, vida de classe média-alta, despreocupada, infância inacabada, risos, sonhos, traquinagem, para acabar na miséria total em um campo de refugiados.
No Líbano, em Ein al-Hilwah.

E mais tarde, em Shatila.
Campo tristemente célebre por causa do massacre selvagem do qual mais tarde seria alvo
junto com Sabra.
Foi na escola, sagrada para os palestinos, que Naji começou a desenhar de memória as atrocidades que vivenciara e as que lhe eram contadas - as vias dolorosas dos que ficaram.
Seu talento o levou à Academia de Arte do Líbano.
Não conseguiu formar-se.
Suas atividades político-artísticas o levaram ao cárcere,
para onde são banidos todos os resistentes indesejados.
Nessa época assinava seus desenhos Naji, simplesmente.  

A partir do nascimento de Handala, Naji deixou de assinar seus desenhos porque viraram símbolo universal de resistência. Assiná-los seria restringir a arte ao artista; enclausurar a personagem em um universo fictício; individualizar o menininho que representava milhões de crianças sem face e sem identidade. Tirar-lhe sua veracidade.   
O garotinho desajeitado, descalço, maltrapilho, de cabelos esparsos, virou sua própria imagem.
E ao mesmo tempo, a de todos os palestininhos obrigados a serem adultos antes da hora, concentrados entre muros gigantescos, vigiados noite e dia por zepelins e drones espiões armados, bombardeados esporadicamente por aviões, esmagados pelo peso da ocupação israelense que os sangrava, e contudo, ele lá estava, fincado na terra de seus ancestrais.
De pé, embora à míngua, descalço.    
Mais do que isso.
Além disso, Handala passou a retratar todas as crianças apátridas que vivem drama semelhante ao que a Palestina vive desde a Naqba. 
Handala é o palestininho e também toda guria e todo guri maltratado, abusado, oprimido, asfixiado por uma engrenagem sócio-econômico-política que não se preocupa nem um pouquinho com o que, diretamente, não a atinge.

Naji foi assassinado em Londres, em 1987.
Um assassinato político, encomendado, que nunca foi solucionado.
Como não será o de Yasser Arafat. 

Naji incomodava muita gente, é claro.
Assim como incomodam mundo afora todas as consciência livres que raciocinam, sentem
e agem em prol de causas justas que as extrapolam. 
Naji era perseguido por ser palestino e por causa de Handala.
Dois pecados capitais no mundo inclemente dos expansionistas e dos venais.
E como Jesus Cristo
(crucificado pelo Sinédrio israelita para ser esquecido
mas que para sempre será seguido e lembrado)

através de sua obra e de seu exemplo de resistência ativa através da arte,
Naji ficou para a posteridade.
Graças a Handala.
Prova que talento bem utilizado, para atos desinteressados, de solidariedade e generosidade,
nos aproxima Dele através de Sua mensagem e nos dá asas e longevidade.
Como todo ser humano inspirado por missão que ultrapassa seu pequeno universo e seu ego para alçá-lo ao âmbito da magnanimidade, Handala é Naji e Naji é Handala.
E no espírito natalino de fraternidade universal, somos todos Handala.
Somos todos solidários às penas do povo palestino traído, espoliado, ocupado, espezinhado, preso por invasores bárbaros em um labirinto de muros e sedento de justiça e de água. 
Somos todos maltrapilhos; sem carteira de identidade;
mas com raízes tão profundas, com uma cultura tão arraigada,
com um amor tão grande pela terra de nossos ancestrais,
que velamos pela chave de casa e alimentamos a esperança de um dia voltar.
Voltar a uma terra sem muros,
sem arame farpado,
sem estradas proibidas,
sem barragens,
 sem medo de ser acordado à noite e espremido em um quarto,
 sem soldados que o humilham o tempo todo,
sem selvagens "colonos" usurpadores,
sem estrangeiros indesejados.
Voltar.
Exercer seu direito inalienávele de retorno.
Voltar e encontrar Handala lá.
Vestidinho de bermuda, camiseta e tênis; 
livre;
de kefié na cabeça erguida; 
jogando futebol nas ruas e campos sem tanques, colonos e soldados malvados, 
com um sorriso imenso estampado em um rostinho bochechudo que coroe um corpinho bem nutrido e pronto para crescer e virar cidadão de um Estado reconhecido, soberano, livremente constituído, chamado Palestina.  
Boa sorte, Handala!
Feliz Natal!
E um 2017 de soberania e liberdade à Palestina!

“The child Handala is my signature, everyone asks me about him wherever I go.
I gave birth to this child in the Gulf and I presented him to the people.
His name is Handala and he has promised the people that he will remain true to himself.
I drew him as a child who is not beautiful; his hair is like the hair of a hedgehog who uses his thorns as a weapon.
Handala is not a fat, happy, relaxed, or pampered child.
He is barefooted like the refugee camp children, and he is an icon that protects me from making mistakes.
Even though he is rough, he smells of amber.
His hands are clasped behind his back as a sign of rejection at a time when solutions are presented to us the American way."
Handala was born ten years old, and he will always be ten years old.
At that age, I left my homeland, and when he returns, Handala will still be ten, and then he will start growing up.
The laws of nature do not apply to him.
He is unique.
Things will become normal again when the homeland returns.
I presented him to the poor and named him Handala as a symbol of bitterness.
At first, he was a Palestinian child, but his consciousness developed to have a national and then a global and human horizon.
He is a simple yet tough child, and this is why people adopted him and felt that he represents their consciousness."
Naji
LIBERDADE A MARWAN BARGHUTI!!!!
We should live our lives as though Christ was coming this afternoon.
My faith demands - this is not optional - my faith demands that I do whatever I can, wherever I can, whenever I can, for as long as I can with whatever I have to try to make a difference."Jimmy Carter 

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