Crimeia, a bola da vez; própria, se o resultado do referendum for acatado com respeito; alheia, se a vontade popular for desprezada.
O blog de hoje é um tipo de continuação do de 02 de fevereiro. Parte em inglês, atendendo pedidos.
Desde o blog anterior sobre a Ucrânia, a bola da vez dos USA, Viktor Yanukovitch foi deposto e Yulia Tymoshenko assumiu a presidência por tabela de um amigo íntimo que há anos defende seus interesses.
Ou seja, a Ucrânia, como Estado, trocou o sujo pelo mal lavado; trocou a Rússia pelos Estados Unidos; trocou o empresariado nacional pela abertura às multinacionais; trocou a convivência pacífica entre suas etnias pela utopia conflituosa de uma pseudo pureza étnica ucraniana com a qual uma porcentagem mínima da população se identifica.
Trocou uma certa segurança financeira da Rússia mediante um certo cabresto pelo sonho longinquo de integrar a União Europeia, que nem pensa nesta eventualidade a curto ou médio-prazo. Quando os ucranianos entenderem que o Acordo com a UE não é o que imaginam e pelo qual abalaram seu país e sua economia, vão cair das nuvens para uma enxurrada de problemas dificilmente solucionáveis sem a injeção de muita grana.
Esta "crise" deu munição a uma encenação da Guerra Fria da qual os USA e a Rússia nunca saíram realmente desde o fim da União Soviética - a não ser durante o período de Boris Yeltsin, cuja incompetência e leviandade o jogou nos braços de Washington fazendo muita bobagem.
Os dois presidentes atuais cresceram em seus respectivos países com a cabeça sendo doutrinada para ver sempre perigo do outro lado.
Barack Obama, como a maioria de seus concidadãos (e a mídia europeia e do nosso continente) acha que os russos são divididos em três categorias: os oligargas que se enriqueceram astronomicamente com a privatização das estatais e que só pensam em ganhar mais; os manda-chuva maudosos da era soviética que governam com mãos de ferro; a coitada da população oprimida que vive aterrorizada e se submete calada como se não tivesse vontades. E todos eles, em sua cabeça, vivem complotando contra os USA.
Vladimir Putin acredita que os estadunidenses são divididos também em três categorias que convergem em direção a uma população globalmente inculta e alienada: a minoria minoritária ultra-capitalista que controla tudo inclusive o presidente, os dirigentes manipulados por este capital que pisoteia quem não lhes for de ajuda para obter lucro de uma população que vive em função de um objetivo ilusório de adquirir as posses que vislumbram no alto da escada social. E todos acham que são os donos do mundo que mal conhecem de aulas de geografia na qual estavam pouquíssimo interessados ou nunca tiveram.
Não pretendo tomar partido nos a priori ratione de nenhum dos lados.
Deixo ao critério de quem conhece os EUA profundo e não apenas o das compras em NY, Miami e Orlando para julgar pelo menos a meia-verdade do que pensam os russos.
Quanto à Rússia, acho que a abertura e encerramento da Olimpíada de Sochi revelam seus valores reais. Que eu conheça, a geração de mais de 40 anos na Rússia valoriza a cultura e o patriotismo. No caso dos jovens vivem "torpedeando" pseudo ou verdadeiro amigos nos smartphones e desnudando sua vida íntima nas redes sociais como nos demais países conectados; mas são obrigados a adquirir uma certa cultura que falta alhures.
É verdade que os oligargas - Vladimir Putin e Yulia Tymoshenko incluídos - controlam o grande capital de ambos países.
É verdade que não sobrou nada ou apenas migalhas para os 1% de magnatas estrangeiros que dominam a economia mundial e por isto Putin virou seu pior inimigo - desde a partida de Boris Yeltsin andam soltando fogo pelas ventas por estarem excluídos desta abastança que Putin trancou com cadeado.
É verdade que Victor Yanukovitch pendia bastante para o lado do Kremlim.
É verdade que Yulia Tymoshenko, de bolsos já lotados, está se jogando nos braços da Europa para debruçar-se na sacada da Casa Branca e talvez ganhar ainda mais transofrmando seu país em uma grande sucata.
É verdade que Vladimir Putin interfere indiretamente na política interna da Ucrânia graças ao gás e às benesses econômicas.
Mas os oligarcas russos não impõem suas vontades dentro e fora do país mais do que os 1% de bilionários que ditam as regras nos Estados Unidos e no planeta inteiro.
E Barack Obama, apesar do precipitado Nobel da paz, como seus predecessores, semeia discórdia em todos os continentes em que a CIA atua às vezes por baixo, às vezes por cima do pano.
Há uma razão comum a ambos presidentes, que é a de garantir a segurança na vizinhança e sua zona de influência. A da Rússia, crescente; a dos EUA, resistindo à corrente da decadência.
Ambos são preocupadíssimos com segurança. Como o presidente dos Estados Unidos jamais concordaria em abrir mão de sua influência na América do Norte, Central (tenta na nossa), nos países árabes e de policiar até águas territoriais alheias nos oceanos próximos e alhures, o presidente da Rússia jamais permitirá navios estrangeiros às suas portas. A Crimeia fora de sua zona de influência deixaria a Rússia vulnerável.
É compreensível e legítimo. Nem o Brasil permitiria. (Alguns vizinhos nossos permitem e fragilizam nossas fronteiras.)
Aliás, a Polônia está preocupada porque todas as vezes que a Rússia foi atacada foi através de lá - Napoleão, Hitler, para só citar os dois homens de guerra mais célebres que deixaram mais devastação por ondem passaram. E esta vulnerabilidade passou a preocupar o Kremlin.
Segundo o Index-mundi, a população da Ucrânia em 2013 era de 44 milhões de habitantes. 18 % de russos (cerca de 8 milhões). Os ucranianos de nacionalidade declarada são cerca de 77% (cerca de 34 milhões), os demais são de outros países da Europa Oriental.
A divisão do país é nítida e pode ser percebida no gráfico à esquerda que mostra a população russa; e melhor ainda no resultado das eleições parlamentares de 2007, à direita.
Falando em eleição, por pior que fosse, Yanukovitch fora eleito. Os que o susbstituíram não ganharam nenhum pleito e seu impeachment foi mais do que suspeito. Foi sim por maioria parlamentar. Porém, uma maioria com muitos deputados faltando e vários votos "por procuração" dada por telefone e mediante simples apresentação da carteira partidária do político ausente cujo voto destituiria o Presidente.
É um impeachment constitucional. Contudo, amoral. Teria sido melhor esperar 2015 e eleger outro presidente de maneira democrática. É o que teria acontecido se os países interessados fianceiramente na Ucrânia não tivessem se envolvido para causar rebuliço e levantar a bola dos "rebeldes" - usando a palavra da moda.
O governo provisório está meio perdido. O "meio" na frase sendo um eufemismo. Nem ordens claras dos políticos os militares recebem direito.
A situação de hoje é complicada e simples.
A separação da Crimeia, apesar das lutas acirradas de geração no seio das famílias está sendo legitimada por plebiscito rotulado de anti-constitucional. Até a China tirou corpo fora, publicamente, já que tem rabo preso no Tibete. Mas naos bastidores...
Nestes últimos dias ouvi e li coisas de arrepiar sobre a Crimeia. Que os russos que vivem na Ucrânia e na Crimeia deviam era ir para a Rússia e que Putin não estava preocupado com seus compatriotas ameaçados e sim em anexar mais um território ao seu Estado.
Na verdade os russos que lá vivem são enraizados na terra porque são gerações a fio como os ucranianos expatriados.
E na Crimeia, além da população russófona ser majoritária, sua adesão à Ucrânia é recente demais para uma interação ter sido estabelecida de maneira irreversível. A geração de até 20 anos se vê ucraniana, mas fala russo e seus pais e avós são russíssimos, portanto...
A posição da Crimeia é estratégica no Mar Negro para aceder à Rússia. Ela fez parte da Rússia durante séculos em sucessivos impérios. Até um dia de 1954 em que Nikita Krushchev a deu de presente para a República da Ucrânia, então na União Soviética que lhe parecia una e perene, em um rompante provocando uma onda de insatisfação entre seus compatriotas de Sebastopol a Vladivostok.
Dizem as más línguas bem informadas do Kremlin que o presidente Krushchev estava bêbado quando fez esta besteira e não a corrigiu porque realmente considerava a URSS inquebrável.
Desde então, a maioria absoluta dos russos nunca parou de cogitar na recuperação da península.
Antes disso a Crimeia vivia nas mãos de uns e outros - Império Otomano, Ucrânia, Rússia - até o século XIV quando foi anexada a esta última para conhecer uma certa harmonia. A harmonia era relativa porque o conflito entre as três comunidades - russa, ucraniana, tatar - sempre existiu e talvez sempre exista.
No caso da Crimeia, o erro mesmo foi o Ocidente não ter ouvido a população em 1992 e ter forçado a barra para que integrasse a Ucrânia. O argumento foi o do presente dado na década de cinquenta; e o desejo da OTAN era de controlar águas territoriais do Mar Negro em desafio à Rússia.
Pois de fato, a maioria dos crimeus nunca quis o status quo atual.
Aliás, a Crimeia de hoje, sobretudo Sebastopol, me lembra a de 21 anos atrás.
Russos nas praças pedindo o retorno à Rússia, ucranianos reclamando da interferência do Kremlin; deputados ucranianos barrados na porta da Assembleia Legislativa (por pedirem ao ministro da Defesa da Ucrânia para rescindir o Acordo que divide a frota do Mar Morto entre a Marinha russa e ucraniana, pedido este considerado como uma provocação pelos deputados russos que compõem a maioria); e o ponto culminante, o Presidium (governo) da Crimeia anunciando um referendum para a população decidir onde e com quem fica, já que são os principais interessados.
Na década de 90 não se via sinal da revolta dos russos da Crimeia ter sido incentivada nem coagida por Moscou.
Hoje também hão há nenhuma prova disso. Apenas conjeturas.
Quando a OTAN quis instalar-se nesse Mar aproveitando de um presidente ucraniano camarada, a população da Crimeia revoltou-se e a OTAN - que se mede sem parar onde não devia, em vez de deixar a ONU resolver os conflitos para a qual foi criada - acabou recuando.
O problema atual é grave para os russos porque com os acordos comerciais que a UE oferece à Ucrânia vem também uma presença militar da OTAN que a Rússia vê como uma ameaça, com razão.
E em troca de quê? Como disse acima, tenho a impressão nítida que os ucranianos não entenderam que em nenhuma linha do contrato está marcado que seu país integrará a União Europeia. Quando cair a ficha vai ser tarde demais. E sem o dinheiro da Rússia, quem vai financiá-la?
Assunto tabu entre os líderes da revolta, no meio do governo transitório, na Casa Branca e nos palácios de governo europeus.
Sem dinheiro para governar, a jurupoca vai piar. Com certeza.
Mas não falta gente para dizer besteira. Como por exemplo Abby Martin que até o dia 03 de março só era conhecida por quem assistia o canal russo internacional Russia Today que opera nos Estados Unidos.
A jornalista virou notícia quando demitiu-se, no ar, durante seu programa, alegando, grosso modo, incompatibilidade com a editoria e dando seu apoio à Ucrânia contra a Rússia.
Foi um bafafá na mídia que aproveitou mais esta deixa para cair em cima de Vladimir Putin.
Poucos contestaram a credibilidade da âncora estadunidense que em 2003 apoiou acintosamente a invasão do Iraque.
Além disso, ela é de origem húngara. Portanto, educada com o ranço da violenta invasão soviética em 1956 para esmagar a revolta em Budapeste. Não conheço nenhum húngaro ou descendente que não tenha crescido com a lembrança dramática deste acontecimento que deixou uma raiva visceral da Rússia.
O evento Abby Martin em si revelou a visão ocidental deste conflito ucraniano. Que neste caso, como no da Síria, é nítida e obtusa a um ponto incompreensível.
Sem saber o que estava realmente acontecendo no terreno, a âncora deduziu, pelas informações que tinha da imprensa de seu país, que as que recebia de Moscou eram mentira e que a Rússia invadira a Ucrânia como o Exército Vermelho invadira a Hungria na era soviética. E declarou no ar:“What Russia did is wrong. Military intervention is never the answer, and I will not sit here and apologise or defend military aggression.”
Acontece que Abby Martin tinha acesso a duas versões distintas do mesmo evento e escolheu a que preferia, a de seu país, os Estados Unidos, e estabeleceu, sem pensar na contradição, os dois pesos e duas medidas. Os EUA invadirem o Iraque, país soberano, situado a milhares de quilômetros, sem nenhum cidadão estadunidense que não fosse empresário e diplomata, tudo bem. Agora a Rússia invadir a Ucrânia para proteger seus cidadãos e sua segurança fronteiriça e suas fronteiras vulneráveis a ingresso terrorista, é um ataque brutal inadmissível. É o que se ouve na grande mídia.
A posição da jornalista estadunidense mostrou a diferença de informação que se recebe nos Estados Unidos e na Rússia, e, sobretudo, a sensação na própria Ucrânia conforme lado e preferência de quem se entrevista.
Segundo a grande mídia, a violência do dia 20 de fevereiro em Kiev, Viktor Yanukovych defied prevailing Ukrainian sentiment when he accepted a Russian bailout back in November, rather than the association agreement on offer from the EU. The protesters on the streets of Kiev are representative of Ukraine’s population, exercising their legitimate rights. And Yanukovkych was justly toppled.
O blog de hoje é um tipo de continuação do de 02 de fevereiro. Parte em inglês, atendendo pedidos.
Desde o blog anterior sobre a Ucrânia, a bola da vez dos USA, Viktor Yanukovitch foi deposto e Yulia Tymoshenko assumiu a presidência por tabela de um amigo íntimo que há anos defende seus interesses.
Ou seja, a Ucrânia, como Estado, trocou o sujo pelo mal lavado; trocou a Rússia pelos Estados Unidos; trocou o empresariado nacional pela abertura às multinacionais; trocou a convivência pacífica entre suas etnias pela utopia conflituosa de uma pseudo pureza étnica ucraniana com a qual uma porcentagem mínima da população se identifica.
Trocou uma certa segurança financeira da Rússia mediante um certo cabresto pelo sonho longinquo de integrar a União Europeia, que nem pensa nesta eventualidade a curto ou médio-prazo. Quando os ucranianos entenderem que o Acordo com a UE não é o que imaginam e pelo qual abalaram seu país e sua economia, vão cair das nuvens para uma enxurrada de problemas dificilmente solucionáveis sem a injeção de muita grana.
Esta "crise" deu munição a uma encenação da Guerra Fria da qual os USA e a Rússia nunca saíram realmente desde o fim da União Soviética - a não ser durante o período de Boris Yeltsin, cuja incompetência e leviandade o jogou nos braços de Washington fazendo muita bobagem.
Os dois presidentes atuais cresceram em seus respectivos países com a cabeça sendo doutrinada para ver sempre perigo do outro lado.
Barack Obama, como a maioria de seus concidadãos (e a mídia europeia e do nosso continente) acha que os russos são divididos em três categorias: os oligargas que se enriqueceram astronomicamente com a privatização das estatais e que só pensam em ganhar mais; os manda-chuva maudosos da era soviética que governam com mãos de ferro; a coitada da população oprimida que vive aterrorizada e se submete calada como se não tivesse vontades. E todos eles, em sua cabeça, vivem complotando contra os USA.
Vladimir Putin acredita que os estadunidenses são divididos também em três categorias que convergem em direção a uma população globalmente inculta e alienada: a minoria minoritária ultra-capitalista que controla tudo inclusive o presidente, os dirigentes manipulados por este capital que pisoteia quem não lhes for de ajuda para obter lucro de uma população que vive em função de um objetivo ilusório de adquirir as posses que vislumbram no alto da escada social. E todos acham que são os donos do mundo que mal conhecem de aulas de geografia na qual estavam pouquíssimo interessados ou nunca tiveram.
Não pretendo tomar partido nos a priori ratione de nenhum dos lados.
Deixo ao critério de quem conhece os EUA profundo e não apenas o das compras em NY, Miami e Orlando para julgar pelo menos a meia-verdade do que pensam os russos.
Quanto à Rússia, acho que a abertura e encerramento da Olimpíada de Sochi revelam seus valores reais. Que eu conheça, a geração de mais de 40 anos na Rússia valoriza a cultura e o patriotismo. No caso dos jovens vivem "torpedeando" pseudo ou verdadeiro amigos nos smartphones e desnudando sua vida íntima nas redes sociais como nos demais países conectados; mas são obrigados a adquirir uma certa cultura que falta alhures.
É verdade que os oligargas - Vladimir Putin e Yulia Tymoshenko incluídos - controlam o grande capital de ambos países.
É verdade que não sobrou nada ou apenas migalhas para os 1% de magnatas estrangeiros que dominam a economia mundial e por isto Putin virou seu pior inimigo - desde a partida de Boris Yeltsin andam soltando fogo pelas ventas por estarem excluídos desta abastança que Putin trancou com cadeado.
É verdade que Victor Yanukovitch pendia bastante para o lado do Kremlim.
É verdade que Yulia Tymoshenko, de bolsos já lotados, está se jogando nos braços da Europa para debruçar-se na sacada da Casa Branca e talvez ganhar ainda mais transofrmando seu país em uma grande sucata.
É verdade que Vladimir Putin interfere indiretamente na política interna da Ucrânia graças ao gás e às benesses econômicas.
Mas os oligarcas russos não impõem suas vontades dentro e fora do país mais do que os 1% de bilionários que ditam as regras nos Estados Unidos e no planeta inteiro.
E Barack Obama, apesar do precipitado Nobel da paz, como seus predecessores, semeia discórdia em todos os continentes em que a CIA atua às vezes por baixo, às vezes por cima do pano.
Há uma razão comum a ambos presidentes, que é a de garantir a segurança na vizinhança e sua zona de influência. A da Rússia, crescente; a dos EUA, resistindo à corrente da decadência.
Ambos são preocupadíssimos com segurança. Como o presidente dos Estados Unidos jamais concordaria em abrir mão de sua influência na América do Norte, Central (tenta na nossa), nos países árabes e de policiar até águas territoriais alheias nos oceanos próximos e alhures, o presidente da Rússia jamais permitirá navios estrangeiros às suas portas. A Crimeia fora de sua zona de influência deixaria a Rússia vulnerável.
É compreensível e legítimo. Nem o Brasil permitiria. (Alguns vizinhos nossos permitem e fragilizam nossas fronteiras.)
Aliás, a Polônia está preocupada porque todas as vezes que a Rússia foi atacada foi através de lá - Napoleão, Hitler, para só citar os dois homens de guerra mais célebres que deixaram mais devastação por ondem passaram. E esta vulnerabilidade passou a preocupar o Kremlin.
Segundo o Index-mundi, a população da Ucrânia em 2013 era de 44 milhões de habitantes. 18 % de russos (cerca de 8 milhões). Os ucranianos de nacionalidade declarada são cerca de 77% (cerca de 34 milhões), os demais são de outros países da Europa Oriental.
A divisão do país é nítida e pode ser percebida no gráfico à esquerda que mostra a população russa; e melhor ainda no resultado das eleições parlamentares de 2007, à direita.
Falando em eleição, por pior que fosse, Yanukovitch fora eleito. Os que o susbstituíram não ganharam nenhum pleito e seu impeachment foi mais do que suspeito. Foi sim por maioria parlamentar. Porém, uma maioria com muitos deputados faltando e vários votos "por procuração" dada por telefone e mediante simples apresentação da carteira partidária do político ausente cujo voto destituiria o Presidente.
É um impeachment constitucional. Contudo, amoral. Teria sido melhor esperar 2015 e eleger outro presidente de maneira democrática. É o que teria acontecido se os países interessados fianceiramente na Ucrânia não tivessem se envolvido para causar rebuliço e levantar a bola dos "rebeldes" - usando a palavra da moda.
O governo provisório está meio perdido. O "meio" na frase sendo um eufemismo. Nem ordens claras dos políticos os militares recebem direito.
A situação de hoje é complicada e simples.
A separação da Crimeia, apesar das lutas acirradas de geração no seio das famílias está sendo legitimada por plebiscito rotulado de anti-constitucional. Até a China tirou corpo fora, publicamente, já que tem rabo preso no Tibete. Mas naos bastidores...
Nestes últimos dias ouvi e li coisas de arrepiar sobre a Crimeia. Que os russos que vivem na Ucrânia e na Crimeia deviam era ir para a Rússia e que Putin não estava preocupado com seus compatriotas ameaçados e sim em anexar mais um território ao seu Estado.
Na verdade os russos que lá vivem são enraizados na terra porque são gerações a fio como os ucranianos expatriados.
E na Crimeia, além da população russófona ser majoritária, sua adesão à Ucrânia é recente demais para uma interação ter sido estabelecida de maneira irreversível. A geração de até 20 anos se vê ucraniana, mas fala russo e seus pais e avós são russíssimos, portanto...
A posição da Crimeia é estratégica no Mar Negro para aceder à Rússia. Ela fez parte da Rússia durante séculos em sucessivos impérios. Até um dia de 1954 em que Nikita Krushchev a deu de presente para a República da Ucrânia, então na União Soviética que lhe parecia una e perene, em um rompante provocando uma onda de insatisfação entre seus compatriotas de Sebastopol a Vladivostok.
Dizem as más línguas bem informadas do Kremlin que o presidente Krushchev estava bêbado quando fez esta besteira e não a corrigiu porque realmente considerava a URSS inquebrável.
Desde então, a maioria absoluta dos russos nunca parou de cogitar na recuperação da península.
Antes disso a Crimeia vivia nas mãos de uns e outros - Império Otomano, Ucrânia, Rússia - até o século XIV quando foi anexada a esta última para conhecer uma certa harmonia. A harmonia era relativa porque o conflito entre as três comunidades - russa, ucraniana, tatar - sempre existiu e talvez sempre exista.
No caso da Crimeia, o erro mesmo foi o Ocidente não ter ouvido a população em 1992 e ter forçado a barra para que integrasse a Ucrânia. O argumento foi o do presente dado na década de cinquenta; e o desejo da OTAN era de controlar águas territoriais do Mar Negro em desafio à Rússia.
Pois de fato, a maioria dos crimeus nunca quis o status quo atual.
Aliás, a Crimeia de hoje, sobretudo Sebastopol, me lembra a de 21 anos atrás.
Russos nas praças pedindo o retorno à Rússia, ucranianos reclamando da interferência do Kremlin; deputados ucranianos barrados na porta da Assembleia Legislativa (por pedirem ao ministro da Defesa da Ucrânia para rescindir o Acordo que divide a frota do Mar Morto entre a Marinha russa e ucraniana, pedido este considerado como uma provocação pelos deputados russos que compõem a maioria); e o ponto culminante, o Presidium (governo) da Crimeia anunciando um referendum para a população decidir onde e com quem fica, já que são os principais interessados.
Na década de 90 não se via sinal da revolta dos russos da Crimeia ter sido incentivada nem coagida por Moscou.
Hoje também hão há nenhuma prova disso. Apenas conjeturas.
O fato histórico é que com o colapso da União Soviética, o Verkhovniy Sovet, Parlamento da Crimeia, mudou o nome do país para República da Crimeia, proclamou em 1992 um governo autônomo, aprovou uma Constituição nacional e declarou adesão à Ucrânia, mediante aprovação em plebiscito. Apesar de não obter maioria, integrou a Ucrânia assim mesmo.
Boris Yeltsin, então presidente da Rússia, era tão incompetente que deixou as águas rolarem sem pensar nas consequências. Até acabar entendendo que havia uma questão de segurança nacional que tinha de levar em conta. Aí negociou o Acordo de formação de frota comum com a Ucrânia no Mar Morto.Quando a OTAN quis instalar-se nesse Mar aproveitando de um presidente ucraniano camarada, a população da Crimeia revoltou-se e a OTAN - que se mede sem parar onde não devia, em vez de deixar a ONU resolver os conflitos para a qual foi criada - acabou recuando.
O problema atual é grave para os russos porque com os acordos comerciais que a UE oferece à Ucrânia vem também uma presença militar da OTAN que a Rússia vê como uma ameaça, com razão.
E em troca de quê? Como disse acima, tenho a impressão nítida que os ucranianos não entenderam que em nenhuma linha do contrato está marcado que seu país integrará a União Europeia. Quando cair a ficha vai ser tarde demais. E sem o dinheiro da Rússia, quem vai financiá-la?
Assunto tabu entre os líderes da revolta, no meio do governo transitório, na Casa Branca e nos palácios de governo europeus.
Sem dinheiro para governar, a jurupoca vai piar. Com certeza.
Mas não falta gente para dizer besteira. Como por exemplo Abby Martin que até o dia 03 de março só era conhecida por quem assistia o canal russo internacional Russia Today que opera nos Estados Unidos.
A jornalista virou notícia quando demitiu-se, no ar, durante seu programa, alegando, grosso modo, incompatibilidade com a editoria e dando seu apoio à Ucrânia contra a Rússia.
Foi um bafafá na mídia que aproveitou mais esta deixa para cair em cima de Vladimir Putin.
Poucos contestaram a credibilidade da âncora estadunidense que em 2003 apoiou acintosamente a invasão do Iraque.
Além disso, ela é de origem húngara. Portanto, educada com o ranço da violenta invasão soviética em 1956 para esmagar a revolta em Budapeste. Não conheço nenhum húngaro ou descendente que não tenha crescido com a lembrança dramática deste acontecimento que deixou uma raiva visceral da Rússia.
O evento Abby Martin em si revelou a visão ocidental deste conflito ucraniano. Que neste caso, como no da Síria, é nítida e obtusa a um ponto incompreensível.
Sem saber o que estava realmente acontecendo no terreno, a âncora deduziu, pelas informações que tinha da imprensa de seu país, que as que recebia de Moscou eram mentira e que a Rússia invadira a Ucrânia como o Exército Vermelho invadira a Hungria na era soviética. E declarou no ar:“What Russia did is wrong. Military intervention is never the answer, and I will not sit here and apologise or defend military aggression.”
Acontece que Abby Martin tinha acesso a duas versões distintas do mesmo evento e escolheu a que preferia, a de seu país, os Estados Unidos, e estabeleceu, sem pensar na contradição, os dois pesos e duas medidas. Os EUA invadirem o Iraque, país soberano, situado a milhares de quilômetros, sem nenhum cidadão estadunidense que não fosse empresário e diplomata, tudo bem. Agora a Rússia invadir a Ucrânia para proteger seus cidadãos e sua segurança fronteiriça e suas fronteiras vulneráveis a ingresso terrorista, é um ataque brutal inadmissível. É o que se ouve na grande mídia.
A posição da jornalista estadunidense mostrou a diferença de informação que se recebe nos Estados Unidos e na Rússia, e, sobretudo, a sensação na própria Ucrânia conforme lado e preferência de quem se entrevista.
Segundo a grande mídia, a violência do dia 20 de fevereiro em Kiev, Viktor Yanukovych defied prevailing Ukrainian sentiment when he accepted a Russian bailout back in November, rather than the association agreement on offer from the EU. The protesters on the streets of Kiev are representative of Ukraine’s population, exercising their legitimate rights. And Yanukovkych was justly toppled.
PS. ISRAEL vs PALESTINA
Na semana passada, a IDF (Forças Armadas israelenses) sequestrou mais três palestinos em um checkpoint na Cisjordânia e em Gaza, assassinou três dirigentes do Jihad.
Aí o Jihad lançou 77 foguetes no sul de Israel sem nenhuma vítima (segundo fontes de Tel Aviv).
Aí Israel retaliou a retaliação bombardeando 29 pontos na Faixa, chamados no comunicado de imprensa israelense de "terror sites".
Todos os jornais publicaram o mesmo comunicado. Alguns nem se deram ao trabalho de dar uma pincelada. Neste só se falava de passagem no assassinato dos resistentes do Jihad e se ressaltava "a escalada da violência" provocada pelo foguetório do dito partido.
Aliás, quase todos usaram inclusive o mesmo título: Israel strikes Gaza after rocket attack. Incrível!
É a velha estória dos dois pesos e duas medidas que são uma vergonha internacional e em particular para a mídia que publica comunicados de uma das partes sem preocupar-se com o fato real.
E na política de dividir para Israel reinar mais folgado, o ditador do Egito foi instruído para intermediar uma negociação de trégua diretamente com o Jihad, em vez de passar pela via oficial, ou seja, pelo Hamas, que governa a Faixa. Levantando assim a bola do Jihad e semeando discórdia e rivalidade. Como fez com o Fatah e o Hamas.
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