domingo, 26 de fevereiro de 2012

Israel vs Palestina: História de um conflito VI (1992-93)

Em junho de 1992 o Partido Trabalhista ganha as eleições e o novo primeiro ministro Yitzak Rabin anuncia em agosto três intenções preliminares ao processo de abertura: revogar a lei que proibe contato entre Israel e a OLP, suspender a colonisação e estabelecer regime de autonomia nos Territórios Ocupados.
Apesar deste passo significativo, no ano seguinte ele decide deportar logo em janeiro para o sul do Líbano, 415 prisioneiros políticos palestinos, dentre eles o líder do Hamas da época e o chefe atual do governo da Faixa de Gaza.
Para os palestinos o desterro era uma pena que os mortificava, mas com a qual estavam familiarizados.
Desde a Naqba que a ocupação era pontuada de sequestros, prisões arbitrárias e deportações - de 1967 a 1987, 1156 palestinos foram vítimas desta punição ilegal e ilegítima; de 1977 a 1987, mais cinquenta; de 1988 a 1992, 488.
Como a deportação é crime previsto pelo Direito Internacional no Artigo 49 da Quarta Convenção de Geneva de 1949, a ONU inclusive já tomara posição contra estes atos que ela mesma definia como delito grave.

O Conselho de Segurança adotara em anos anteriores várias Resoluções reprovando a prática dos israelenses condenarem a degredo cidadãos do país que ocupava.
Doze delas entre 1980-1992: Resolução 468, 469 e 484 em 1980; 605 em 1987; 607 e 608 em 1988; 636 e 641 em 1989; 681 em 1990; 694 em 1991; 726 e 799 em 1992.

A resposta do acusado era surpreendente pela cegueira ou cinismo, mas de Resolução a Resolução, mantinha a coerência incoerente.
De acordo com a Corte Suprema de Israel, o país não infringe o Artigo 49 da Convenção de Genebra porque o único objetivo deste artigo seria, segundo os juízes, impedir deportações do tipo das praticadas pelos nazistas alemães durante a Segunda Guerra...
É aquela velha estória de dois pesos e duas medidas que estrangulam a Justiça.
Apesar de Tel Aviv ser imune às Resoluções da ONU, a história dos 415 deportados que foram engrossar os campos de milhares de refugiados que já se encontravam no Líbano foi diferente das que a antecederam.
Foi concebida como medida punitiva de distanciamento de dois anos, e não de banimento definitivo.
O parágrafo do retorno foi acrescentado para calar as críticas internacionais e dar uma chance às negociações bilaterais incipientes, pois a OLP as interrompera ao saber do desterro massivo.
Tel Aviv garantiu que dentro de um ano os deportados seriam autorizados a retornar ao lar, o fato causou certa comoção na Faixa de Gaza entre os membros do Hamas e do Fatah, mas com promessa de retorno a OLP não fez muita onda e foi remando como podia contra a maré internacional oposicionista à causa palestina.
Yasser Arafat estava enfraquecido pelo apoio ao Iraque contra a Operação Desert Storm estadunidense, de 1991, e estava disposto a aceitar até o mínimo.
Desde o fim da Conferência de Madrid que a OLP participava de reuniões secretas com personalidades israelenses, intermediadas pelo Centro de Estudos em Jerusalém do Instituto Norueguês de Pequisas FAFO.
O FAFO, presente, atuante e atento ao soprar dos ventos na região, sabia que as duas partes estavam cansadas e namorando a cadeira em volta da mesa que lhes traria pelo menos um pouco de calma.
O balanço em vidas da Intifada era alto. Mais de mil e cem mortos palestinos e 164 israelenses.
Do lado da OLP, fazia seis anos que a Intifada mobilizava a população da Cirjordânia e da Faixa de Gaza sem ganhar terreno no sentido próprio e figurado. O povo estava sendo estrangulado pela sansões, sufocado pelas colônias que aumentavam, e estava claro que na batalha de pedras e desobediência civil contra tanques e aviões de combate, os palestinos estavam fadados à derrota a médio prazo e a não obter o sucesso político internacional que almejavam.
Do lado de Tel Aviv, a Intifada mostrara às cabeças pensantes e pragmáticas que os palestinos não engoliriam mais o sapo da ocupação calados, que os ocupantes civis e militares continuariam a sofre com os ataques nos Territórios Ocupados, e que se não tomassem providências imediatas, os muros e arames farpados não lhes dariam a segurança que os obsedava nem em suas fronteiras legais.
A OLP já dera o primeiro passo em 1988 ao concordar com a solução dos dois Estados conforme a Resolução Onusiana 181 de 1947 e ao renunciar à resistência armada.
Com isto tencionava negociar uma paz baseada na Resolução 242, que instava Israel a retirar-se dos territórios ocupados em 1967, e da Resolução 338.
Foi por isto que tomou a iniciativa de pedir aos noruegueses que intermediassem a aproximação entre as partes.

As negociações de Oslo começaram no início de 1993.
O objetivo era humanizar uns aos olhos dos outros, se conhecerem de verdade, entenderem o que os motivava e do que precisavam para viver em paz lado a lado.
A aproximação foi incentivada por pessoas envolvidas na questão hídrica que era (e é) o maior e mais inflamado espinho no pé dos palestinos - é a espoliação mais grave (http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6317608786765905828#editor/target=post;postID=1814099583922623766 ) dos recursos naturais da Cisjordânia, pois os israelenses controlam o Mar Morto e toda a água do Jordão.
De janeiro a maio as reuniões envolveram executivos da OLP e intelectuais israelenses que mantinham o ministro das relações exteriores Shimon Peres informado.
(Como nas discussões patrocinadas pela Inglaterra entre a ANC de Nelson Mandela e o regime do apartheid.)
A OLP escolheu a Noruega como mediadora por causa das atividades do FAFO no território e por ser aliada dos EUA e próxima de Israel. Fatores que ao ver de Arafat facilitariam a aproximação e o diálogo.
O papel inicial de Oslo era facilitar os contatos e garantir o segredo dos encontros.
Até maio tudo saiu conforme o planejado.
Depois começou a degringolada.
Rabin decidiu mudar os representantes israelenses e com a mudança de caras, mudou a fala e a vontade de resolver o problema de maneira equilibrada.
A primeira atitude dos enviados, agora com mandato oficial, foi questionar os progressos feitos entre as partes.
Aí o ministro norueguês das Relações Exteriores, Johan Jørgen Holst, também implicou-se e prendeu sua Pasta em uma engrenagem de anos de tentativas infrutíferas de salvar o que pudesse ser salvo, pressionando sempre a parte mais fraca.
(A pesquisadora norueguesa Hilde Henriksen Waage que trabalhou sobre os Acordos, descreve Holst e outros compatriotas envolvidos como "lacaios de Israel" e conjetura sobre o conteúdo inconveniente a Israel e aos EUA da parte dos arquivos de Oslo cuja consulta é vedada. Ela e outros continuam a exigir que os documentos selados sejam liberados para que se saiba exatamente como os Acordos foram sistematicamente minados e os palestinos pressionados até o insuportável.)
Enquanto esta porta da verdade não for destrancada, o que transparece é que a partir da entrada direta de Holst e de Shimon Peres na jogada, os noruegueses apoiaram sistematicamente as demandas securitárias e territoriais israelenses sem preocupar-se com reciprocidade.
Holst chegou ao ponto de levar a Yitzak Rabin o conteúdo das conversas privadas que tinha com Yasser Arafat e esquecer de trazer ao líder da OLP o que ficava sabendo do outro lado.
Dizem que seu papel junto a Arafat foi mais de carteiro bisbilhoteiro do que de mediador interessado em uma paz equilibrada.
Poder-se-ia dizer em sua defesa que a Noruega é pequenininha e é normal que se dobrasse a Israel e a seu mastodonte padrinho gringo.
Neste caso não deveria ter aceito incumbência superior à capacidade político-diplomática, dizem os que viram os palestinos baterem os braços na areia movediça à qual foram conduzidos.
Quanto aos demais países que tomaram o controle na fase seguinte, em setembro - Estados Unidos e os principais membros da atual União Europeia - tal desculpa deixa de ser cabível.


Os oito meses de negociações culminaram no que foi chamado DOP - Declaração de Princípios - em que ambas as partes concordavam que era "tempo de pôr ponto final nas décadas de confrontação e conflito, reconhecer legitimidade e direitos políticos mútuos e tentar coexistir pacificamente com dignidade e segurança recíproca para atingir um acordo de paz justo, compreensível e duradouro."
A retórica do parágrafo é animadora, mas a prática nos bastidores e no terreno seria outra.

A primeira etapa foi a do aperto de mão e de promessas que davam esperança de futuro livre e próspero de lá e de cá da Linha Verde, menos para os centenas de milhares de refugiados cuja chave da casa perdida era o bem mais precioso da família.
Um dos compromissos foi o prazo de transição de cinco anos, durante os quais outros Acordos aconteceriam, Israel retiraria tropas e desmantelaria as colônias judias dos Territórios Ocupados.
Nesse ínterim uma Autoridade Palestina seria constituída e reconhecida de direito e de fato.
Como todo Acordo de Paz em que a concórdia é o ojetivo comum dos beligerantes, este visava um acerto permanente em que ambas as partes ganhassem e saíssem meio satisfeitas, já que satisfação inteira era impossível.
Em setembro de 1993 o presidente estadunidense Bill Clinton entrou na parada para colher os louros da vitória de fachada, e diante do mundo inteiro, Yitzak Rabin e Yasser Arafat apertaram as mãos para selar o Tratado assinado por Shimon Peres e Yasser Arafat - do lado deste se encontrava o vice da OLP Abu Mazem, mais conhecido como o atual presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas, que seguiu todas as etapas de discussão e aplicação incipiente dos Acordos do lado de Arafat.
O documento comprometia os quatro homens, e o povo que representavam, a tomar as providências necessárias para que justiça fosse feita e que esta levasse à convivência pacífica, cada um do seu lado, cada um na sua, e que a harmonia prevalecesse e frutificasse.
Na euforia deste aperto de mão histórico, Israel assinaria um Tratado de Paz com a Jordânia no ano seguinte.

A DOP foi aplaudida pelo Fatah e pela ala liberal israelense e condenada pelo Hamas e pelos sionistas radicais, mas Arafat e Rabin pareciam ter a mesma determinação de cumprir palavra.
A OLP recuperaria sua sede histórica na Orient House em Jerusalém (ao lado), a Faixa de Gaza e Jericó seriam devolvidas a controle nacional e outros Acordos resolveriam questões pendentes de ambos os lados. 
Arafat achou que cedendo na questão dolorosa dos refugiados asseguraria pelo menos aos que tinham sobrevivido, bem que mal, um Estado autônomo em cinco anos, e quando obteve autorização de voltar para casa, a garantia efêmera de um Estado esfarelado a curto prazo não o preocupou tanto quanto devia, na hora em que seu coração batia apressado de pisar na terra da qual o ocupante o banira e que desde então só a pisara como clandestino.
O Hamas criticou Arafat por ter cedido terreno, sobretudo por ter abdicado de uma das demandas prioritárias do povo, que era o retorno dos refugiados, e ter concordado, sem concordar, com o recorte absurdo da Cisjordânia que fazia dela uma colcha de retalhos.
Era o plano maquiavélico de Tel Aviv de inviabilizar o Estado palestino contínuo, como se vê abaixo.

Concretamente, os pontos principais da DOP são:
1. Transfere aos palestinos poder e responsabilidades na Cisjordânia e na Faixa de Gaza;
2. Determina a exclusão pura e simples de questões permanentes como Jerusalém, refugiados, invasões judias, medidas de segurança e fronteiras até segunda ordem, e nesse ínterim, o governo de Israel continua o único responsável por defesa e fronteiras, sua posição em Jerusalém permanece a mesma - Rabin chegou a declarar, logo após assinar o documento que deveria levar à paz, "Jerusalém é a antiga e eterna capital do povo judeu", completando que uma Jerusalém unificada sob soberania de Israel, com liberdade religiosa para todos, continuava sua posição fundamental.
3. Confere a Israel o controle da segurança - com garantia de liberdade de movimento aos palestinos.
Durante o período de transição (dos 5 anos), a segurança interna e das fronteiras continuaria sob controle de Israel, assim como as áreas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza em que há colônias.
Implementações da DOP foram previstas nas seguintes fases:
. Gaza-Jericó - autodeterminação, incluindo retirada das tropas da IDF. Os detalhes seriam determinados em outro Acordo a ser assinado no Cairo em maio de 1994;
. Preparação de transferência de poderes e responsabilidades - No resto da Cisjordânia cinco esferas específicas - educação e cultura, saúde, seguridade social, fiscalização e turismo - seriam transferidos aos representantes palestinos, assim como esferas adicionais a serem estabelecidas. Esta transferência aconteceria logo após a autodeterminação de Gaza-Jericó ser efetivada.
(A estória do turismo era uma finta, já que Israel tem o monopólio através das agências de viagens estrangeiras que lhe respassam todo turista que vai à Cirjordânia visitar os sítios cristãos de Belém, Jericó, Betânia, Jerusalém, Samaria, que os palestinos matêm impecáveis, a altos custos sem nenhum retorno financeiro.)
. Eleições de representantes palestinos - com modalidades a serem discriminadas em negociações posteriores que detalhariam as modalidades de autonomia governamental.
Durante as eleições, Israel estava autorizado a manter a ordem junto com a força policial do Conselho Palestino.
No fim do Tratado há anexos que determinam "cooperação" econômica entre Israel e Palestina em contextos bilaterais e multilaterais. Também, sem nenhuma precisão de limites e vantagens. Mas ficou mais ou menos claro que os bancos israelenses, e não os palestinos, cuidariam do repasse da ajuda financeira internacional destinada à Autoridade Palestina para as despesas com o serviço público, inclusive funcionários.

No tocante ao estatuto permanente da Palestina - Negociações entre as partes deveriam começar no terceiro ano de prática dos Acordos, ou seja, em 1996.
Estas determinariam a natureza do Acordo final que cobriria as questões pendentes como Jerusalém, refugiados, invasões, segurança, fronteiras, e outros pontos de interesse comum.
O prazo de 5 anos foi selado.
Yasser Arafat assinou uma carta endereçada a Yitzhak Rabin na qual deixava claro que a OLP reconhecia o direito de existência do Estado de Israel em paz e segurança, aceitava as Resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança da ONU, se comprometia a engajar-se no processo de paz, resolver os eventuais problemas em diálogo, renunciar ao uso de terrorismo e outros atos de violência e assumir a responsabilidade dos membros da OLP a fim de assegurar a adesão destes na prevenção das infrações e na disciplina dos infratores. Concluia invalidando os documentos anteriores em que afirmava o contrário dessa carta e se comprometia a submeter tudo o que afirmava ao Conselho Nacional da Palestina para aprovação geral.
A resposta que o primeiro ministro de Israel enviou a Arafat alguns dias depois de receber esta missiva detalhada - antes do aperto de mão na grama da Casa Branca - foi aquém da esperada. Retratou o estado de ânimo ambíguo de quem não quer se comprometer com nada.
Rabin foi sucinto: "... Israel decidiu reconhecer a OLP como representante do povo palestino e começar negociações com a OLP no processo de paz do Oriente Médio."
PT saudações.

O extenso cabeçalho acima resume os fatos.
Os Acordos de Oslo, em teoria, obrigavam um e outro a tomar várias medidas imediatas e outras menos, mas que o prazo não excedesse cinco anos.
O ponto alto celebrado pela mídia como se fosse um presente e não ponto pacífico, foi Israel reconhecer a existência do povo palestino e a liderança de Yasser Arafat.
O reconhecimento palestino da existência de Israel foi apenas pro forma considerando que Arafat já se pronunciara sobre o assunto em Assembleia das Nações Unidas.
Os Acordos poderiam servir as duas partes, se fossem postos em prática com reciprocidade.
Autorizava à OLP uma base no próprio solo, a formação paulatina de um Estado e Forças Armadas.
Três direitos cruciais para a autodeterminação e a liberdade.
E aos israelenses garantia a segurança com que tanto sonhavam e lhes abria as portas comerciais com o mundo árabe - aliás, era a perspectiva comercial com os vizinhos abastados que interessava Shimon Peres, que na época ainda disfarçava com palavras liberais sua veia radical.
Portanto, unindo o útil de um ao de outro o Acordo de Paz parecia ser viável.
Ambos os envolvidos tinham de renunciar a algo, mas no final todos lucravam.

Contudo tinha um porém enorme nos Acordos.
Israel os trancou com uma chave enferrujada para que no frigir dos ovos até as concessões imediatas, a médio prazo lhe fossem favoráveis.
Não por ganhar a partida de cara.
Devolver aos palestinos o que confiscava - da terra, à liberdade, à água - custaria ao governo bastante desgaste político e esforço, para desalojar e realojar os colonos e para readaptar-se.
O que provou a má-vontade de bastidores foi Rabin ter inviabilizado os Acordos já no dia em que foram assinados.
(Talvez nem tenha sido por má-fé nem maudade, mas por simples paranóia e pela convicção de terem de levar vantagem, sempre.)   
O hic era que para que o processo fosse respeitado por ambas as partes, justamente por causa da dificuldade mútua, Rabin e Arafat precisavam de um árbitro com autoridade inclusive de enviar tropas para manter a ordem, caso precisasse.
Porém, Israel rejeitou de cara os observadores internacionais, ou seja, os juízes que Arafat solicitava para assegurar a concretização dos Acordos abstratos e controlar as vontades voláteis.
Até a última hora, os Acordos previam arbitragem internacional obrigatória.
Cláusula que permitiria que a ONU monitorasse passo a passo a teoria posta na prática e interviesse na base do Direito que rege os países que vivem na legalidade internacional.
Mas Israel exigiu que esta menção fosse riscada.
A Declaração do dia 13 de setembro se limita a mencionar uma eventual comissão de arbitragem que só poderia agir "com autorização das duas partes".
Portanto a arbitragem nasceu palavra morta.
Como ver-se-á em seguida, a cada pedido de socorro de Arafat, Israel negará sistematicamente autorização para que a ONU intervenha como faz nos demais conflitos internacionais, até domésticos, em certos casos.
Sem a cláusula principal da arbitragem que garantia o cumprimento do tratado bilateral, quando Bill Clinton gabou-se, por ignorânu ingenuidade, de ter protagonizado a paz, esta já tinha ido por água abaixo.
Arafat sorria na célebre fotografia, mas entrou na estória de gaiato e choraria lágrimas amargas por ter se deixado enrolar com promessas mais do que vagas.

Outras dificuldades surgiriam em 1994.
Logo em janeiro, um atentado organizado por colonos judeus jogaria um balde de água gelada na boa vontade do Hamas de apoiar Arafat.
No dia 25 de fevereiro, em Hebron, na Cisjordânia, o médico israelo-estadunidense Baruch Goldstein penetrou no Túmulo dos Patriarcas - Haram el-Khalil (onde o casal Abraão e Sara foram enterrados) durante o culto de Purim e Ramadam na Mesquita de Abraão e colocou-se entre os oitocentos homens que rezavam e a porta de saída.
Estava de uniforme de combate e empunhava uma espingarda de assalto Galil, usada pela IDF.
Abriu fogo contra os oitocentos participantes da cerimônia religiosa, e segundo sobreviventes, comparsas lhe entregavam balas para que recarregasse.
Vinte e nove homens morreram na hora.
Cento e vinte e cinco sofreram ferimentos graves.
Goldstein só parou de atirar quando acabou a munição e encontrou-se sozinho sem poder recarregar a arma.
Os sobreviventes o lincharam no local - o cemitério em que foi enterrado virou sítio de peregrinação para extremistas que o consideram um "mártir que deu a vida ao povo judeu, à Torah e à nação de Israel", como diz a placa do túmulo que os fanáticos veneram.
O balanço final foi de mais de cinquenta mortos e dezenas de feridos graves, pois os soldados da IDF que estavam do lado de fora atiraram nos fieis que saiam da mesquita enraivecidos, mas desarmados.
Foi um golpe de mestre contra as negociações nascentes de paz. Dizem as más línguas que não foi ato espontâneo insano e sim planejado e mandado. Mas não há prova disto.
No meio jornalístico foi um choque brutal que forçou a profissão a parar e pensar em como até então vira e tratara o conflito. Os "terroristas" eram em princípio os árabes e não médicos gringos "educados". A partir de então os repórteres mais honestos começaram a questionar a propaganda do Ministério da Comunicação israelense e conferir as informações antes de veiculá-las.
A notícia do massacre no sítio sagrado se espalhou pela Cisjordânia e a Intifada que tinha dado o último suspiro na assinatura dos Acordos de Oslo, foi revigorada. Lá e na Faixa de Gaza.
Passeatas espontâneas eclodiram por todos os lados e nos dois dias seguintes a IDF matou mais 19 palestinos e dezenas de feridos foram recolhidos em hospitais e casas.
Yitzhak Rabin e Binyamin Netanhyahu condenaram o ataque no mesmo dia, mas o mal estava feito e a repressão violenta da IDF só fez piorar a situação que já estava má.
Sobretudo porque Tel Aviv escolheu não dar ouvidos às testemunhas e não investigar a implicação de outros participantes no ataque. Fez como se o único culpado já estivesse morto e enterrado.
Só que para os palestinos, insatisfeitos com a impunidade dos outros homens uniformizados que viram escondidos atrás de pilastras, o assunto não estava encerrado.
Os colonos celebraram o massacre com alarde enquanto as famílias enterravam os mortos e Yasser Arafat exigia de ouvidos surdos que os comparsas do assassino fossem punidos pela cumplicidade, em vão.
A frustração e a indignação generalizada fez com que a revolta corresse solta na Palestina
A mágoa estava lá, difícil de aplacar. Conter o sentimento de vingança do Hamas não seria fácil. Ainda mais porque representava a classe menos favorecida que era a primeira prejudicada, e no terreno, no dia a dia, era quem sofria nas mãos dos colonos e dos soldados.



Trocando em miúdos, a ambiguidade e a carência de arbitragem daria margem a infrações e espaço para que cada um tomasse uma direção para atingir objetivos antagônicos desde o início do conflito.
Os palestinos viram o Acordo como a porta de entrada na casa que lhes fora tomada na Naqba e para a qual ainda guardavam cuidadosamente a chave.
E para conseguir de volta a cidadania, estavam conformados com os 22% da área de sua antiga Palestina. Contanto que tivessem autonomia e suas terras fossem esvaziadas e restituídas aos devidos donos que guardavam as chaves como um ingresso sem prescrição de entrada e não apenas como relíquia sagrada.
O ano de 1994 e os seguintes mostrariam para onde o bonde da paz caminharia, e em que rítmo.

Al Jazeera World: The price of Oslo
I
II


Filme: Endgame
Dirigido por Pete Travis
Produção: Channel 4, Inglaterra
Baseado no livro de Robert Harvey que relata as conversas e negociações secretas mediadas pelos ingleses entre membros do ANC (African national Congress) de Nelson Mandela e intelectuais sul-africanos brancos e membros do National Party que mantinha o apartheid.
Bom exemplo do que precedeu os Acordos de Oslo até maio de 1993 e outras mediações secretas até hoje infrutíferas entre israelenses e palestinos.



Filme: Miral
De Julian Schnabel
Baseado no livro homônimo da jornalista palestina Rula Jebreal (vídeo abaixo).
Ficção meio autobiográfica pontuada pela história da Palestina da Naqba aos Acordos de Oslo.

"The same issue of equality is what motivates the divestment movement of today, which tries to end Israel’s 43 year long occupation and the unequal treatment of the Palestinian people by the Israeli government ruling over them. The abuses they face are real, and no person should be offended by principled, morally consistent, non-violent acts to oppose them. It is no more wrong to call out Israel in particular for its abuses than it was to call out the Apartheid regime in particular for its abuses".
Bispo sul-africano Desmond Tutu, carta de 2001

Reservista da IDF, Forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence
Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/;
Lista de produtos das colônias a serem boicotados:
http://peacenow.org.il/eng/content/boycott-list-products-settlements;
SHIMINISTIM

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